BLOG DESATIVADO

Literatura

 


Verdades Inadiáveis

Leon Eliachar

O cigarro não provoca o câncer. O câncer, sim, é que vive provocando o cigarro.

O pior cego não é aquele que não quer ver: é aquele que não quer ser visto.

Pior do que a criança do vizinho só a nossa -- segundo o nosso vizinho.

Um homem prevenido vale por dois, dois homens prevenidos não sobra nenhum.

Saca-rolha é esse instrumento que foi inventado pra empurrar a rolha para dentro da garrafa.

A alegria do geômetra é ver o círculo pegar fogo.

O que mais pesa em cima de um travesseiro é a consciência.

Só uma coisa o homem faz questão de acompanhar durante toda a sua vida com verdadeiro carinho: a queda dos cabelos.

Liberdade de imprensa é fácil. Difícil é ser jornalista livre.

Sogra é esse parente afastado que se torna cada vez mais próximo.

Como evoluiu a odontologia: cada dia se inventa um aparelho diferente pra provocar uma dor diferente.

Pai moderno é uma ilha de afeto cercada de contas por todos os lados.

Da discussão não nasce a luz, nasce a conta da luz.

A grande luta dos anunciantes de sabão em pó é querer tornar o seu branco mais branco que o do outro.

Faquir é esse sujeito que fica deitado sobre pregos pra ganhar o seu pão de cada 100 dias.

Pediatra é um sujeito de profissão difícil: tem de agradar as mães sem prejudicar a saúde das crianças.

O sim mais caro do mundo o homem deposita na igreja e a mulher fica sacando o resto da vida.

Agora que existe o parto sem dor só falta inventarem a conta com anestesia.

Marido é um homem que passa a metade da vida procurando uma mulher e a outra metade tentando livrar-se dela.

É mais cômodo ter três mulheres fora de casa do que uma dentro.

Uma mulher é uma mulher, uma mulher, uma mulher. Às vezes, uma rosa.

O crime perfeito leva tanto tempo para ser planejado que às vezes o criminoso morre antes da vítima.

O chato da bebida não é o mal que ela nos pode trazer, são os bêbados que ela nos traz.

Não são o cavalheiros que estão acabando, é o "h" que já não se usa mais.


Leon Eliachar:Seus livros foram avançadíssimos para a época em que foram lançados, combinando de forma fenomenal os textos com capas e desenhos de Cyro Del Nero, Fortuna, Gian e Juarez Machado. Leiam "O Homem ao Zero", Editora Expressão e Cultura - Rio de Janeiro, 1968, págs. diversas, de onde extraímos o texto acima, "O Homem ao Cubo", "O Homem ao Quadrado", "A Mulher em Flagrante" e "10 em Humor".

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CONTO NA CONTA

Mario Prata

Nem ele se reconhecia: estava dando patadas em casa, na rua, no trabalho. O tal do stress. Gritava, buzinava, vociferava. Com muito custo convenceram o cidadão que ele precisava de uma boa duma análise. Antes que matasse o mundo.

Contrariado, foi. Falou (ou melhor gritou) durante os cinqüenta minutos regulamentares. O médico disse:

- Você precisa fazer uns exercícios para relaxar. Por exemplo: aqui no prédio, no térreo, tem um piano-bar. Desça, vá ao balcão, peça um dry martini. Mas não vire de uma vez.

Aprenda a controlar a sua ansiedade. Olhe para a bebida, cheire, admire a azeitona – não vá comendo de cara – dê um pequeno gole, ouça a música.

Contrariado, foi. Entrou, casa vazia, um velhinho tocava Summertime ao piano. Pediu o dry martini. Já ia virando de uma vez, ouviu a voz do médico. Levantou a taça, admirou o conteúdo. Começou a se sentir melhor. Aquela musiquinha ao fundo, o bar vazio. E não é que a coisa estava funcionando? Nisso, olhou para a direita e viu um macaquinho andando pelo balcão, vindo na sua direção. Tenho que me conter, pensou rápido. O macaquinho veio chegando, chegando, parou ao lado da taça, meteu a mão lá dentro, pegou a azeitona, olhou para a cara dele, deu uma risadinha, deu uma mordidinha na azeitona e jogou o caroço dentro da taça.

Tudo que o nosso herói queria era estrangular o macaquinho, quebrar o bar inteiro e pedir o dinheiro de volta ao médico. Mas ele tinha que se controlar, tinha que se controlar. Olhou em volta, só tinha o velhinho tocando piano. Foi até ele, com os dentes trincados e disse:

- Um - macaquinho - enfiou - a mão - dentro - do meu - dry martini.

O velhinho interrompeu o Summertime, colocou a mão em concha na orelha e disse:- Assovia o começo pra ver se eu me lembro da melodia...

 Extraído com autorização do Site Oficial do Autor

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MUITO PÊLO CONTRÁRIO
Mario Prata

Tem um texto navegando aí pela internet escrito pelo Kledir (ou seria pelo Kleiton?) chamado "Tipo Assim", que é realmente genial. O compositor gaúcho tentando explicar para os seus filhos adolescentes as coisas que existiam no nosso tempo. Uma luta, por exemplo, para explicar o telefone que discava ou o que era uma máquina de escrever. Tipo assim.

E outro dia eu estava conversando com uma amiga - 22 anos - pelo messenger e ela me contou que havia sido convidada para escrever para uma revista de mulher pelada. E eu comecei a contar - para espanto dela - como eram as revistas de mulheres peladas - inclusive a Playboy brasileira - nos anos duros (ops!) dos redentores militares.

Imagine você, minha amiga, que pêlo não podia. Jamais! Portanto, as revistas de mulheres peladas no começo dos anos 70 eram apenas de peitos pelados. Mas os peitos também sofriam os cortes das tesouras da caserna. Peito grande podia, mas bico grande, não. Até hoje eu não entendi muito bem a implicância com o problema dos bicos.

Meu irmão Leonel editava a revista Homem (mas que era de mulheres), da Editora Três. Quando a foto apresentava um bico um pouco maior, tinha de pegar cromo por cromo das fotos e raspar. E, naquela época, não tinha computador para diminuir bicos. Era com a gilete mesmo. Aquilo ficava meio esquisito: aquele seio grandão e o bico mínimo. Pêlo, dizia eu, nem pensar.

Você vê que os militares eram atentos. Queriam salvar não apenas o Brasil, mas a família e os pêlos da tradição e da propriedade alheia. A maconha, por exemplo, era alvo dos militares. Não por viciar, fazer mal, ser contrabando, levar perigosamente a outras drogas, desviar dos estudos. Nada disso. Fumar maconha era, segundo eles, subversão. Era subverter o social, a ordem constituída. Portanto, ser maconheiro, era subversivo. Conheci muito comunista naquela época que fumava só para contrariar a oliva classe dominante. Uns, fumam até hoje. Só para contrariar.

Mas voltemos aos pêlos lá de cima. Ou melhor, cá de baixo. Um dia, não mais que de repente, sabe-se lá o porquê, liberaram os pêlos. Foi tão inesperado aquilo que nenhuma das revistas tinha pêlo em estoque. E mais, as mocinhas da época não iam se expor assim sem mais nem menos. Podia ser um golpe da ditadura (sem trocadilho) para descobrir os pêlos subversivos. As Adrianes, Maitês, Tiazinhas e Lucianas da época, por preço algum iriam entrar na fria.

A solução imediata foi a exportação dos pêlos pubianos. Me lembro que uma noite o Leonel chegou lá em casa com um pacote de 200 pêlos frontais ingleses. Como ele sabia que eram de mocinhas inglesas, eu não sei. Podiam muito bem ser pêlos paraguaios, falsificados. Eram muito escancarados para serem comportadamente ingleses. Mas a revista dele não podia ficar atrás da Playboy que iria chegar às bancas com os púbis americanos, loirinhos.

O que ele queria é que a gente inventasse o nome, idade, profissão, daquelas garotas, como se elas fossem brasileiras. Tipo assim: "Carlinha tem 19 aninhos, mora em Angra dos Reis, estuda psicologia, tem 1,75 metro e olha a cinturinha dela. Adora J.G. de Araújo Jorge, foi miss Verão 71 e está solteiríssima." E toma páginas e páginas de pêlos ingleses (ou paraguaios).

Só que na euforia toda, o Leonel se exaltou e colocou uma delas na capa da revista Homem (me parece que pêlo em capa não está liberado até hoje) com uma espada na mão. Como era setembro, mês da Semana da Pátria (na verdade semana dos militares e não da Pátria), deu o nome para a moça de Elvira, do Ipiranga. E, lá dentro, 20 páginas. E o texto todo era uma paródia do Hino Nacional, mais ou menos assim: "Elvira nasceu às margens plácidas do Ipiranga, de um brado retumbante"... Foi preso e processado, é claro. Mesmo porque, naquela época, o nosso Hino e a nossa Bandeira não eram mais nossas.

Eram deles. Não se podia sair por aí enrolado numa bandeira do Brasil. Fazer bermudinha com as cores do Brasil dava exílio na hora. Não fosse o parentesco de um nosso cunhado com o ministro da Justiça da época (Gama e Silva) o Leonel teria caído na clandestinidade com seus abusados pêlos. E se fosse aqui no Estadão, no lugar dos pêlos, sairia o bigode do Camões ou uma receita de linguado.

Hoje, 30 anos depois, começo a achar que os milicos estavam um pouco certos.

Porque hoje em dia escancaram demais. E a nudez da mulher exige uma certa arte. Não se pode mostrar tudo. Há de ter um paninho aqui ou ali. Nem que seja apenas "a ponta de um torturante bandeide no calcanhar". Há de se usar calcinhas, sim senhora. Há de existir a mágica do escondido, do proibido. Do procurável, do inacessível que pode, um dia, tornar-se achado e acessível.

Ou, muito pelo contrário.

Obs: Extraído do Site Oficial do Autor (O Estado de S.Paulo 26/02/03)


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CRIANÇA DIZ CADA UMA...

Mario Prata

Primeiro foi a minha filha, a Maria, já com mais de 20 anos. Havíamos combinado de jantar juntos, quando ela me liga:

- Mudança de planos. Vou ao cinema com umas amigas. Quer ir junto? 

Não, eu não queria, queria sair sozinho com ela, matar as saudades, trocar abobrinhas. Digo que fica para outro dia. Ela insiste.

- Vamos, pá. Vai ser bom. Vai o pai de uma amiga minha. Vocês podem ficar brincando juntos.

Entenderam a sutileza da fala dela? Estava me devolvendo todas aquelas vezes em que eu insistia com ela (quando ela era uma criança) para sair com os meus amigos e jogava na cara dela: ele tem uma filhinha da sua idade, você pode ficar brincando com ela.

Só rindo e aceitando. E entendendo quantas vezes ela não saiu comigo diante de tal argumento, tendo de ficar brincando com a filha de alguém. Sem reclamar, na maioria das vezes.

Pois no domingo foi a vez do irmão dela, o Antonio. Estávamos na casa do Mateus (aquele de segunda-feira) fazendo uma visita pelo nascimento do Samuel. Todo mundo bebendo, menos eu. Quero ir embora, dou um toque no meu filho e ele me solta esta:

- A saideira! (e sorrindo para mim) Lembra? 

Lembrava, claro. Quantas e quantas vezes, coitado, ele ainda pequeno, querendo ir dormir e eu com os meus amigos pedindo que ele esperasse a saideira. E a saideira, como todo mundo sabe, são (pelo menos) três garrafas.

O interessante das gozações dos dois pra cima do velho pai é que aconteceu um fenômeno engraçado nas nossas relações. Hoje, todos adultos, eles são amigos dos meus amigos e eu dos amigos e amigas deles. Nivelamos na idade e nas amizades. Fui ao cinema e fiquei brincando com a pai da amiga da Maria e esperei várias saideiras do Antonio e dos meus amigos.

E estes dois casos fazem a gente pensar e rever a maneira como educamos os nossos filhos, algumas vezes baseados nas nossas necessidades e nossos momentos, colocando as crianças dentro deles. E eles esperaram, calados e submissos (até certo ponto), para dar o troco. E deram com humor e amor.

Quantas coisas a gente não deve ter dito para eles, sem pensar muito no que eles achavam daquilo? Quantos momentos não impusemos, sem pensar neles?

Ainda bem que eles levaram tudo isso numa boa.

E, por falar no nascimento do Samuel Shirts, outra filha do Mateus, igualmente Maria, mandou um e-mail para todo mundo participando a efeméride.

Hoje, com 12 anos, referindo-se a mim, no texto, disse "O Prata, que um dia foi meu padrinho". Um puxão de orelhas no padrinho que achava que depois dos 10 ela não fosse mais dar bola para este negócio apadrinhamento. Ledo engano. E, pensando bem, tenho sido mesmo um mau padrinho. É que eu fico achando, afilhada Maria, que vocês vão mudando enquanto crescem. Mas parece que não. Vocês, você, o Antonio e a minha Maria, continuam nos vendo do mesmo jeito, tenham a idade que tiverem. E esperando o momento de retribuírem, com humor e carinho, os nossos erros do passado.

Que vocês me desculpem se fui tão autoritário num passado ainda recente para mim. E que continuem sempre a me darem toques. Somente assim vamos manter vivos o carinho, o respeito e o amor entre nós.

Obrigado por existirem. E tomem tantas saideiras quanto quiserem. Que eu estarei sempre ali do lado, esperando, vendo vocês crescerem e eu virar criança outra vez. Obrigado por existem e crescerem ao meu lado.

Fonte:Site oficial do autor

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POBREZA ZERO 
Mario Prata

Sugiro ao nosso viajante presidente lançar logo o programa Pobreza Zero. Não, não se trata de erradicar definitivamente a pobreza no Brasil que isto não é façanha para quatro ou oito anos. Um dia, espero, não tenhamos mais essa pobreza que vemos na televisão ou nos sinais de trânsito das grandes cidades. Existem outras pobrezas no Brasil.

Não é dessa pobreza econômica que eu falo. Eu falo da pobreza mental. Talvez um programa, umas leis, umas broncas, uma cara feia, resolvam essa pobreza que está se alastrando pelo Brasil.

Por exemplo: quer pobreza maior do que técnico de futebol brasileiro usar terno e gravata debaixo de um sol de 40 graus (fora a poeira e, às vezes, o barro)? E, por falar em futebol, e a moda de jogador negro raspar a cabeça?

O quê que esses caras tinham na cabeça?

Pobreza não é o preço alto de certos restaurantes de São Paulo. Pobreza é o cara ir lá e gastar 200 pilas para comer. Tem que ser muito pobre para entrar numa roubada dessa.

Pobreza são as sessões da Câmara e do Senado brasileiro com aquele bando de animais lá na frente gritando, se empurrando. Você já deve ter visto sessões semelhantes em qualquer outro país do mundo. Todo mundo sentado, normal, civilizado. Aqui, aquela pobreza de sempre. Me garantiu um amigo deputado que eles ficam lá na frente para aparecer na televisão. Quer pobreza maior do que essa?

Pobreza nacional é a quantidade enorme de presos aguardando julgamento dentro da cadeia. Pobreza maior é rico não ser preso. E quando é, com um bom atestado cumpre a pena em casa, comendo pizza.

Pobreza é a nossa mania de imitar americano em tudo. Pois agora já temos prédios inteiros onde não se pode fumar lá dentro.

Existe maior pobreza do que estar andando calmamente na rua e morrer com uma bala perdida na sua cabeça?

E essas pessoas que mandam e-mail com animaçõezinhas coloridas que ficam pulando na cara da gente? Pobreza, gente, é jogar cigarro pela janela do carro. Isso sem falar em papel, casca de banana e lata de cerveja. Isto é pior que pichar os muros da cidade.

Poderia falar em sonegação do imposto de renda, quando estamos roubando de nós mesmos, mas não vou entrar nessa receita que a coisa tá feia por lá. Tá uma pobreza gravada e tudo.

Pobreza é comprar CD pirata, uísque de contrabando, cigarro feito no Paraguai e aceitar as regras e os campeonatos que a CBF manda e desmanda.

Pobreza é o Alex do Cruzeiro não ser titular absoluto da nossa seleção.

Aliás, os atuais técnicos da seleção... deixa pra lá.

Pintar o cabelo de loiro, deixar a unha retangular, pintar as dos pés de vermelhão.

Mas a nossa maior pobreza mesmo é querermos ser um país de Primeiro Mundo.

Aí a coisa até dói. Em São Paulo tem uma loja, numa badalada rua, onde está escrito na placa "artigos de Primeiro Mundo". Pra que tudo isso gente? É tão bom ser brasileiro, ser relaxado, andar de sandália, chupar um picolé.

Pobreza é tomar caipirinha de vodca! Onde já se viu desnacionalização maior?

O Brasil tá precisando de pinga, Lula! Pinga!

Fonte: Site oficial do autor (O Estdo de São Paulo-22/10/03)
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GRINGO VENDO FUTEBOL

Mario Prata

 Um americano (não era o Shirts), na semana passada estava assistindo a um jogo de futebol comigo, pela televisão. Entendia a língua portuguesa, não entendia muito de futebol. E me fazia perguntas que me faziam pensar. A mais intrigante, foi esta:
- Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?
Já notou, quando o reserva vai entrar, tem que mostrar a sola da chuteira para o quarto juiz? O juiz olha como se estivesse vendo o casco de um cavalo. Expliquei para ele que há muitos e muitos anos atrás que nos sapatos e nas chuteiras usavam-se pregos para grudar a sola. Isto há mais de quarenta anos. Portanto, um jogador (por maldade ou descuido) poderia entrar em campo com um prego meio solto e machucar o adversário.
- Mas, se há tanto tempo não tem mais prego, por que olham?
Eu estava entretido com o meu timee disse não sei. Mas percebi que ele estava intrigado com o negócio. E insistiu:
- Os outros onze, quando entram, no começo do jogo, eles também olham a chuteira para ver se têm pregos?
- Não.
- Então por que esta implicância com os reservas? Olha lá, outro reserva entrando e mostrando a sola da chuteira. Por quê? Why?
O americano tinha lá suas razões. Se os titulares não mostram, porque o reserva tem que ficar ali naquela incômoda posição eqüina? E mais: se não tem mais prego, por que mostrar? Será que ninguém ligado ao futebol ainda não pensou nisto? O americano estava certo.
Mais um pouco e ele continuou com suas observações:
- Por que o locutor diz que o jogador caiu?
- Porque caiu, uai.
- Sim, eu vi que ele caiu. É televisão. Ele não precisa me dizer. Olha lá, dizendo que o goleiro pegou a bola. Eu vi! Será que ele não pode me deixar assistir em paz? É televisão ou rádio?
Penso:
- É que antes era rádio e eles acostumaram a narrar tudo.
- Mas então alguém precisa dizer para eles que a gente não é cego. Olha lá: dizendo que foi falta. Eu vi!!!
O americano estava certo, os nossos locutores de televisão acham que estão transmitindo pelo rádio.
- Se o juiz já disse que vai ter mais três minutos de jogo, se o sujeito já levantou a placa mostrando, se lá em cima da televisão está dizendo que vamos ter três minutos de acréscimo, porque o locutor tem que avisar a gente que vamos ter mais três minutos de jogo? E precisa dizer que o jogo vai até os 48? Não é meio óbvio?
O americano estava certo.
- Outra coisa – insistiu ele – você já notou que aquele jatinho de tinta branca que ele marca o campo na hora das falas, no final do jogo não sai mais quase nada lá de dentro? É porque foram muitas faltas, ou é o tubinho dele que não cabe mais spray? Olha lá, nem dá mais para ver a marquinha. Assim a barreira vai avançar.
O americano, mais uma vez, estava certo.
Quando acabou o jogo, ele (que há havia assistido a outros jogos comigo, disse):
- Quer apostar como o repórter de campo vai perguntar o que foi que faltou ao time?
O repórter perguntou.
Mais tarde, no boteco, ele me perguntou:
- E por que todos os jogadores negros raspam a cabeça? É da regra?

 Fonte:Site oficial do autor
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Mario Prata

IMPOSSÍVEL NÃO ESCREVER ESTA CLÔNICA

 Eu juro que eu não pretendia escrever sobre o clone. Todo mundo já escreveu. Até o João Paulo II (seria clone do João Paulo I?) já colocou suas manguinhas de fora.
De tudo que li, a que mais me chamou a atenção foi a do sempre bom Luis Fernando Verissimo. Ele levantou (literalmente) no Globo a questão dos nossos ínfimos espermatozóides. Qual será a utilidade deles no futuro, pô? Clona e pronto, pô! Não vão mais existir depósitos de esperma, mas, sim, de células. Da mão do Oscar, da inteligência do Darcy, das pernas da Raia, dos pés do Ronaldinho e assim por diante.
Também não sei por que tanto alarde mundial se, aqui mesmo no Brasil, o Congresso Nacional aprovou (em dois turnos) a reclonagem do nosso simpático presidente.
Depois de ler, estupefato, em todos os jornais brasileiros que os americanos (eles nunca ficam atrás) já fizeram dois macacos clonados. Ou seja, segundo a evolução das espécies do Darwin, estamos quase lá. Se macaco pode, o homo sapiens também, não é Charles?
E no mesmo dia, aqui mesmo no Estadão, leio (ainda estupefato) que o nosso querido Brasil poderá produzir alimentos por clonagem. E prova-se por a mais b que isso já está sendo feito. E os especialistas afirmam que as modificações genéticas tornam plantas mais resistentes a pragas.
E o homem clonado, também será mais resistente à, digamos, Aids? Fica a pergunta. E fazer clones de apenas alguns órgãos, vai poder? Por exemplo: tirar a célula de um olho bom e colocar num cego. Clonar uma perna num paralítico, vai poder? E um novo pênis bem clonado e ornado, quem é que não vai querer? Você poderá até escolher a cor do doador em uma célula penicular.
Mas eu fico pensando no clone do Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que vem vencendo nas pesquisas de clonagens nacionais. Claro que vai nascer um sujeito igual a ele. Mas, para chegar a presidente, ele terá que ser exilado (para isso vamos ter outra revolução de clones militares?), morar no Chile e na França? Encontrará uma mulher tão sábia como a doutora Ruth? Terá os mesmos simpáticos filhos Paulo Henrique, Luciana e Bia? Encontrará um Lula para disputar uma eleição? São dúvidas que eu não sei responder.
E você, como é que agirá com o seu próprio clone? Vai evitar que ele faça as besteiras que você fez quando era criança ou adolescente? O clone do Pelé teria que começar passando fome em Três Corações para virar o Atleta do Século 21? Penso nisto tudo e não sei as respostas.
Como disse o Mateus Shirts, ovelha sempre pareceu tudo igual, não é surpresa nenhuma a Hello Dolly se parecer com ela mesma. Igual clone de japonês. Vai sair tudo igual, sorrindo daquele jeitinho clonado.
Não adianta clonar o Romário. Todos serão baixinhos, andarão daquele jeito e vão querer viajar nas janelas dos aviões. Vai sair briga de foice. Entre eles.
Já o meu querido amigo Eduardo Suplicy já está numa de clones há muitos anos. O Suplicy, podem reparar, não é apenas um. E, no mínimo, três. Numa mesma edição de um jornal, ele aparece em Brasília, São Paulo, Rio e ainda acorda no Pontal. E ainda escreve cartas e artigos para todos os jornais do Brasil. Eu não tenho dúvidas. O Suplicy é clonado. Acho que a Marta, minha companheira numa peça de teatro, também não é apenas uma. No caso dos dois, felizmente, o Brasil agradece.
Fico imaginando o meu clone. Magrinho, dentuço. Não sei ainda como vou chamá-lo. De filhinho, vem cá? Mas cadê o espermatozóide, pô?, perguntaria o Veríssimo. De irmão? Mas meu clone (vamos chamá-lo de Pratinha) não é filho da minha mãe. Como seria a carteira de identidade dele? Nome do pai e da mãe? Teria o meu RG e CIC? Poderia falsificar a minha assinatura? Teria um Antonio e uma Maria? Estaria escrevendo clônicas no Estadão?
Meu Deus, meu Deus, diria o clone do Castro Alves, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?
Pense bem: Jesus teria sido clone de Deus? Afinal, dizem, foi feito à sua imagem e semelhança. Creio que sim, pois, segundo reza a lenda, ele teria nascido sem o espermatozóide do pai José, mais preocupado em clonagens de marcenaria.
Onde estamos, senhor Deus, que não respondes?
É melhor se clonar de novo que a humanidade está precisando de outro Redentor. Desta vez, a gente não deixa a polícia matar ele, não.

Texto extraído do livro "100 crônicas de Mario Prata", Cartaz Editorial - São Paulo, 1997, pág. 69.

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Mario Prata

 O que é isso, Ministro Paulo Renato?

Saber que uma crônica minha, publicada aqui neste espaço, foi tema da prova de português num vestibular para medicina só me envaidece. O ego dá um pulo. Melhor até mesmo que um elogio no The New York Times (sorry, mas eu tinha de contar).
A crônica imposta aos jovens se chama As Meninas-Moça. Publicaram a danada inteira e depois fizeram oito perguntas em forma de múltipla escolha. E eu, que escrevi, que sou o autor, errei as oito. Imagino os meninos e as meninas, que querem ser médicos, submetidos a tal dissecação.
Fico aqui me perguntando, ministro, pra que isso? Será que, para cuidar de uma dor de cabeça, um jovem tem de saber se a minha expressão “esparramados em seios esplêndidos” é uma paráfrase, uma metáfase, uma paródia, uma amplificação ou o resumo de um texto bem conhecido pelo cidadão brasileiro? Com toda a sinceridade, ministro da Educação Paulo Renato, você sabe me responder isso? Algum assessor seu sabe?
A gente educa os filhos direitinho, ensina o que achamos fundamental. Educação, honestidade, indica bons livros, explica porque o Maluf é nefasto, pede para ele torcer pelo Corinthians, apresenta gente decente, paga milhões de reais por bons colégios, ensina inglês e até paga o analista. Para que ele tenha um bom futuro e seja feliz. Meus filhos sabem, por exemplo, o que é larica. Você também sabe. Mas, para ser médico, a larica é outra. Veja mais um exemplo da prova: “Larica é larica. Vide dicionário.” Aí, para ser médico, o jovem precisa saber se esta pequena frase é poética, fática, metalingüística, emotiva-expressiva, referencial, conativa ou apelativa? O que você acha, Paulo Renato? Eu, larica à parte (e bem-vinda), não faço a menor idéia.
Será que não teria sido melhor publicar a crônica (como foi feito) e pedir para a garotada escrever o que quisesse, o que achasse, o que bem entendesse do que eu entendi? Deixar o jovem manifestar a sua opinião, fazer a garota escrever no lugar de ficar ticando opções fáticas?
O título da vestibular crônica,
já disse, era As Meninas-Moça e eu me referia ao time feminino de vôlei da Leites Nestlé que ia acabar. Olha o que eles perguntaram aos alunos, sobre o título:

a – ao usar meninas-Moça, não flexionou no plural o segundo elemento porque criou um neologismo, processo que não se submete a normas da língua;
b – ao criar um novo vocábulo, não transgrediu as regras de flexão dos compostos;
c – usou uma flexão admissível porque o segundo elemento é um nome próprio feminino;
d – ao usar a expressão do composto, violentou a regra da língua que preconiza, para esse caso, a variação no plural para os dois elementos;
e – usou apropriadamente a forma meninas-Moça, visto que o segundo elemento tem função apositiva.
O que você acha, ministro? Eu, fico entre a e b. Mesmo porque eu não tenho a menor idéia do que seja uma função apositiva. E você, Paulo Renato, vota em quem? F, H, C? Ou A, C, M? Ou M, E, C?
E agora, meu querido ministro, só para terminar a aula, me diga, nas expressões abaixo, onde você identifica um exemplo de intertextualidade:
a – “… principalmente o feminino balé de braços, de loiras e altitudes mim”;
b – “Não, leite Moça foi feito para flanar esparramado em seios esplêndidos, chacoalhando no ar, jornadando até as estrelas”;
c – “Aquelas meninas-moças, todas voando pela quadra já fazem parte da latinha”;
d – “Embaixo, está escrito: indústria brasileira”;
e – “… que saem de dentro da lata como que convocadas pelos gênios das lâmpadas que iluminam.”
E agora, C, D, ou F?
Já disse lá atrás, ministro e organizadores da prova, que sinto-me sinceramente envaidecido com a escolha de um texto meu. Mas jamais poderia imaginar que, ao escrever uma crônica pensando naquelas coxas todas, naqueles seios esparramados pelas quadras, ao escrever um texto de olho na Karin, ao digitar uma crônica preocupado com o desemprego da minha namorada (que fazia parte da equipe) fosse dar tanta dor de cabeça para dezenas de milhares de jovens que querem apenas uma profissão digna para enobrecer este nosso País tão mal-educado.
Quanto às pernas da Karin, ministro, vá de a, b, c, d e fim de papo.
Sacou?

Fonte:Jornal O Estado de S. Paulo, 16/06/1999

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Mario Prata
 As Meninas-Moça 

 Não sei quantos anos tem a moça, nem o leite da moça. Mas, desde que eu me entendo por gente, que tem uma lata por perto. Com aquela moça com jeitão de suíça (se for búlgara, não faz a menor diferença). Embaixo, está escrito: indústria brasileira. Sim, não tem nada mais brasileiro do que o sempre bem-vindo leite condensado. Qualquer que seja a sua idade.
Sabe com o que as gordinhas sonham nos spas? Com elas. As latinhas condensadas. Não uma, que não sacia. Muitas moças, muitos leites moça.
Um furinho de cada lado, um maior onde vai a boca. E é só chupar que a moça entra dentro de você. Gostosa, macia. Quem já fez isso, sabe o delírio que é.
Quem é que nunca acordou de noite e foi até a geladeira, sem acender a luz da cozinha e, só com a penumbra da luzinha interna, levou a latinha até os lábios pra melecar a língua? Talvez tenha ido dormir com uma certa culpa. Mas tomou e não escovou o dente pra não cortar o barato.
Larica é larica. Vide dicionário.
Tou aqui nessa fissura porque o Leites Nestlé, o time de vôlei feminino de Jundiaí, que já foi tricampeão brasileiro, está fora da final. Por duas gotinhas, ou melhor, dois pontinhos.
Sim, o time feminino. Não ia pegar bem homens subindo na rede com as letras Leite Moça no peito peludo. Não, Leite Moça foi feito para flanar esparramado em seios esplêndidos, chacoalhando no ar, jornadando até as estrelas e viajando ao fundo do mar de nossas emoções.
Isso tudo para falar da estranha torcida das pessoas que gostam de moças, de leite, de Leite Moça. Ou seja, as pessoas, como eu, que gostam de vôlei. Principalmente o feminino, balé de braços, de loiras e altitudes mil. Não tendo nem Corinthians, nem Palmeiras pra torcer, torcer pra quem no vôlei feminino que nos bafeja com aquelas bundinhas divinamente proeminentes?
Quem, em sã consciência, vai torcer por um BCN, que é um banco? Impossível dizer: sou BCN desde pequenininho. E desodorante, gente? Imagina a torcida gritando: de-so-do-ran-te!
De-so-do-ran-te. Pelo amor de Deus!
E vocês acham que os universitários da USP, da PUC, da FAAP, da Federal do Rio, da Veterinária de Uberaba, da Odontologia de Lins, da Santa Marcelina, vão torcer para a Uniban? Universidade Bandeirantes?
Difícil. A UNE ia interferir.
Por mais que eu seja amigo do Felipe – colega de faculdade -, desculpa, Felipe, mas não dá pra torcer pra Petrobrás. Falta-lhe passado esportivo. E o Blue Life, que é uma expressão americana que não significa, absolutamente, vida azul? Vida azul é leite condensado.
Sacou?
Foi pensando nessas bobagens todas que eu fui descobrindo que todo mundo torce pelo Leites Nestlé, no vôlei feminino. É o Flamengo, o Corinthians da categoria. Tem Corinthians até no técnico. O sujeito chama-se Negrão.
Ando lendo por aí que a empresa está pensando em fechar o time. Mas como? Como é que fecham um time? Já pensou, um dia o diretor chega e diz: vamos fechar o Corinthians. Não pode, cara! Aqueles meninas-moças todas voando pela quadra já fazem parte da latinha das nossas recordações. E sonhos: a Leila, mineira como o leite, que deixou até os japoneses desatinados.
E as pernas da Karin, que saem de dentro da lata, como que convocadas pelo gênio das lâmpadas que iluminam as quadras e as redondilhas dos seus ataques fulminantes aos nossos corações torcedores? Onde ficam as pernas da Karin?
E o colorido tropical da americana Tara? E a Elena, que não é do Machado de Assis, e sim dos Gorkis e Gógols?
Não tenho nenhuma dúvida: o Leites Nestlé é o time “da lata”. E ponto.


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 07/04/1999
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Mario Prata
 As mulheres de 30

 O que mais as espanta é que, de repente, elas percebem que já são balzaquianas. Mas poucas balzacas leram A Mulher de Trinta, de Honoré de Balzac, escrito há mais de 150 anos. Olhe o que ele diz:
'Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer'.
Madame Bovary, outra francesa trintona, era tão maravilhosa que seu criador chegou a dizer diante dos tribunais: 'Madame Bovary c'est moi'. E a Marilyn Monroe, que fez tudo aquilo entre 30 e 40?

Mas voltemos a nossa mulher de 30, a brasileira-tropicana, aquela que podemos encontrar na frente das escolas pegando os filhos ou num balcão de bar bebendo um chope sozinha. Sim, a mulher de 30 bebe. A mulher de 30 é morena. Quando resolve fazer a besteira de tingir os cabelos de amarelo-hebe passa, automaticamente, a ter 40. E o que mais encanta nas de 30 é que parece que nunca vão perder aquele jeitinho que trouxeram dos 20. Mas, para isso, como elas se preocupam com a barriguinha!

A mulher de 30 está para se separar. Ou já se separou. São raras as mulheres que passam por esta faixa sem terminar um casamento. Em compensação, ainda antes dos 40 elas arrumam o segundo e definitivo.

A grande maioria tem dois filhos. Geralmente um casal. As que ainda não tiveram filhos se tornam um perigo, quando estão ali pelos 35. Periga pegarem o primeiro quarentão que encontrarem pela frente. Elas querem casar.
Elas talvez não saibam, mas são as mais bonitas das mulheres. Acho até que a idade mínima para concurso de miss deveria ser 30 anos. Desfilam como gazelas, embora eu nunca tenha visto uma (gazela). Sorriem e nos olham com uns olhos claros. Já notou que elas têm olhos claros? E as que usam uns cabelos longos e ondulados e ficam a todo momento jogando as melenas para trás? É de matar.

O problema com esta faixa de idade é achar uma que não esteja terminando alguma tese ou TCC. E eu pergunto: existe algo mais excitante do que uma médica de 32 anos, toda de branco, com o estetoscópio balançando no decote de seu jaleco diante daqueles hirtos seios? E mulher de 30 guiando jipe? Covardia.

A mulher de 30 ainda não fez plástica. Não precisa. Está com tudo em cima. Ela, ao contrário das de 20, nunca ficou. Quando resolve, vai pra valer. Faz sexo como se fosse a última vez. A mulher de 30 morde, grita, sua como ninguém. Não finge. Mata o homem, tenha ele 20 ou 50. E o hálito, então? É fresco. E os pelinhos nas costas, lá pra baixo, que mais parecem pele de pêssego, como diria o Machado se referindo a Helena, que, infelizmente, nunca chegou aos 30?

Mas o que mais me encanta nas mulheres de 30 é a independência. Moram sozinhas e suas casas têm ainda um frescor das de 20 e a maturidade das de 40. Adoram flores e um cachorrinho pequeno. Curtem janelas abertas. Elas sabem escolher um travesseiro. E amam quem querem, à hora que querem e onde querem. E o mais importante: do jeito que desejam.

São fortes as mulheres de 30. E não têm pressa pra nada. Sabem aonde vão chegar. E sempre chegam.


Chegam lá atrás, no Balzac: 'A mulher de 30 anos satisfaz tudo'.


Ponto. Pra elas.

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Mario Prata

Amor, vamos discutir a relação?

DISCUTIR: defender ou impugnar (assunto controvertido); questionar.
RELAÇÃO:comparação entre duas quantidades mensuráveis. (Aurélio)

Há alguns anos, eu e minha mulher (hoje ex-) fomos convidados pelo cantor e compositor João Bosco para assistirmos ao show dele no Teatro Municipal de Santo André. Como não sabíamos o caminho, João Bosco, que ia com a Kombi da gravadora, ofereceu-se para uma carona. Pegamos ainda o genial jornalista policial Otávio Ribeiro (Pena Branca) e sua noiva no Hotel Cineasta no centro de São Paulo e lá fomos nós. Pena tinha acabado de escrever um livro chamado Barra Pesada.

Quando chegamos, o teatro estava superlotado, não havendo mais espaço nem no chão. O produtor do João nos arrumou quatro cadeiras e lá ficamos nós num cantinho do palco. No centro, com foco de luz, apenas o João, o banquinho e o violão.


Foi quando tudo se deu. Pena Branca e a noiva começaram uma discussão no palco. Lá no cantinho, para constrangimento meu e da Marta, enquanto João Bosco reclamava de "um torturante bandeide no calcanhar". Da discussão partiram para um bate-boca de baixíssimo nível. Altos brados e baixos calões. Começaram a se xingar. O que aconteceu é que as mais de mil pessoas que lotavam o teatro começaram a desviar os olhos do centro do palco para o canto. Ali, naquele pequeno espaço cênico, estava acontecendo um outro espetáculo. Um casal DISCUTIA A RELAÇÃO, com o João Bosco fazendo um mero e distante fundo musical. Foi um sucesso, para desespero meu e da Marta, meros figurantes sem fala, porém boquiabertos. Não sei se o meu saudoso Pena Branca continuou com a moça depois daquele dia. Sim, porque quando se começa a DISCUTIR A RELAÇÃO é, quase sempre, porque não existe mais relação. Apenas discussão.


DISCUTIR A RELAÇÃO é um ato recente. Antigamente, lá pelos anos 60, não se fazia isso. Quando o namorado ou a namorada chegava para o outro e dizia: "Sabe, eu estive pensando...” Pronto, o ouvinte já sabia que era o fim. Não havia mais o que discutir. Saía cada um para o seu lado dizendo que houve (que saudades) uma "incompatibilidade de gênios". Isso resolvia tudo.


E os nossos pais jamais discutiram a relação. Nem mesmo a relação sexual. Dava-se uma porrada e não se falava mais naquilo. As mulheres (infelizmente) sabiam do seu lugar ao lado do fogão, sem o fogo do amado.


Mas o mundo girou, a lusitana rodou, vieram os psicanalistas e as feministas. Sim, foram eles que instigaram as mulheres a DISCUTIR A RELAÇÃO. Sim, são sempre as mulheres que começam (e acabam) as discussões e as relações. Os terapeutas, porque colocam na cabeça da gente que devemos dizer tudo que pensamos da pessoa amada para ela e não para o melhor amigo. E as feministas, bem, as feministas...


Mas, antes de surgir a expressão DISCUTIR A RELAÇÃO, tivemos outros nomes para a mesma desgastante peleja. "Vamos dar um tempo' não durou muito. Depois surgiu "Nossa relação está desgastada". Por que não "gastada"?


Hoje, modismo ou não, não há casal que não DISCUTA A RELAÇÃO, pelo menos uma vez por semana, igualando ao número de atividades sexuais. DISCUTE-SE A RELAÇÃO nos mais variados lugares. Alguns sombrios, outros perigosos.


O melhor lugar para se discutir a relação é na sala. Está-se próximo do uísque, da televisão que pode ser ligada a qualquer momento e mesmo da porta, para uma saída furtiva e quase sempre covarde. E é ótimo DISCUTIR A RELAÇÃO andando em círculos, com um copo na mão, um ouvido na fera e um olho no futebol. Sim, as mulheres adoram esta atividade aos domingos. Eu tenho um amigo que, quando quer sair sozinho com os amigos, diz: "Vou até lá em casa e dou um jeito de DISCUTIR A RELAÇÃO com a patroa, ela fica irritada e eu tenho um motivo para voltar aqui para o bar'.


DISCUTIR A RELAÇÃO no quarto só tem duas saídas. Tudo terminar numa belíssima e lacrimejante cena de amor (às vezes, até com uns tapinhas carinhosos) ou a ida de um dos meliantes para o outro quarto. No quarto, é impossível se tratar deste assunto impunemente. Principalmente se os dois atletas estiverem deitados. E nus. E se houver alguma faca por perto. Vide Robbit.


No carro, é um perigo. Deveria haver multa para esses casais que colocam em risco não apenas a vida deles, como também dos transeuntes e demais carros. DISCUTIR A RELAÇÃO dentro do carro sempre acaba em trombada na cara. E quem está dirigindo leva sempre a pior. Ou então propor um rodízio. Segunda, não discutem casais com final 1 e 2. Terça, 3 e 4. E assim por diante.


Agora, não há nada mais desagradável do que DISCUTIR A RELAÇÃO por telefone. É um horror. Geralmente é de madrugada. Longos silêncios... "Você está me ouvindo? Você está aí?" A gente não vê os olhos da outra pessoa, o sarcástico sorrisinho, a pequena lágrima rolando. Sem falar na conta do telefone.


E no restaurante, vocês já repararam? Sempre tem alguns casais que chegam calados, comem calados e calados saem. Um não dirige a palavra para o outro. Ledo engano. Eles estão, em silêncio, DISCUTINDO A RELAÇÃO. Acho uma covardia DISCUTIR A RELAÇÃO em silêncio. Eles não falam nada. Ela fica quebrando palitos e ele rasgando o guardanapo de papel. Imundando o restaurante.


Já os mais modernos DISCUTEM A RELAÇÃO via Internet. Ele digita um disparate para ela na Vila Madalena, o texto vai para um satélite, dali vai para Columbus (Ohio, USA), volta ao satélite, baixa na central do Rio de Janeiro e, finalmente, entra no computador dela em Pinheiros, a uns 500 metros de distância. Depois é a vez dela fazer o mesmo. Coitado do satélite que tem que decifrar aqueles palavrões todos. Em português, é claro!


Mas o pior não é DISCUTIR A RELAÇÃO. O pior é pagar fortunas a um profissional, sentar-se numa poltrona ou divã e ficar ali, durante 50 minutos, por intermináveis semanas, meses a fio, anos seguidos, repetindo tintim por tintim como foi a nossa última conversa com o ser amado, fazendo um esforço danado para lembrar fala por fala, todos os diálogos. E o terapeuta lá, com aquele olho de peixe morto, caído, quase bocejando, ouvindo, pela oitava vez, naquela mesma tarde, a mesma nauseante história de amor.


Sim, porque com ele a gente não DISCUTE A RELAÇÃO. Discutimos, no máximo, o preço. Da nossa dor.

Texto extraído do livro “100 crônicas de Mário Prata”, Cartaz Editorial – São Paulo, 1997, pág. 163.
  
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Mario Prata

O celular, quem diria, virou cafona
 
 Se você for da minha geração, deve se lembrar de quando surgiram os primeiros radinhos de pilha. Fim dos anos 50 (meu Deus, estou velho!) A marca era Spica. Era um luxo. Poucos tinham acesso. Era coisa de rico. Hoje virou lixo, sucata subdesenvolvida. Como o Brasil, coitado.

Os ricos d'antanho andavam pela rua com aquilo grudado no ouvido. Iam ao restaurante ouvindo o jogo de futebol. Faziam amor ouvindo La Vie en Rose. Pouco a pouco, foram percebendo que o destino do radinho de pilha era o porteiro do prédio. No dia que o primeiro porteiro de prédio ostentou um, o mundo não seria mais o mesmo. Nunca mais o rico usou radinho de pilha. Nem quando tem blecaute.

Com o celular, o processo foi o mesmo, já notou? Começou como ostentação e o pompeamento de altos executivos e empresários. Você entrava num restaurante chique e todos estavam falando naqueles aparelhinhos. Aos berros, em dolarês. Quanto menor, quanto mais o cara tinha que entortar a boca, mais status dava.

Outro dia o compadre Mateus Shirts andou escrevendo aqui que ouviu um, dentro de um ônibus, voltando de Rio Preto. Saiba, Mateus, que o meu porteiro comprou um. É isso, virou radinho de pilha.

Em Paris, me informa o Fernando Morais, já tem restaurante que proíbe o uso de celular. Não porque vá incomodar a mesa vizinha. Mas por ser cafona mesmo, ser "coisa de pobre". Já em junho, na Copa, era muito difícil ver um francês andando na rua falando no celular. Mas os estrangeiros, sim. Brasileiros então, nem se fala. E, por falar em Paris, eu tenho uma teoria: perdemos a Copa por causa dos celulares.

Tinha jogador que tinha três. Falavam até no intervalo dos treinos. Dava status. E convulsões, é claro. E eles estavam num lugar chamado concentração, onde evitavam a entrada da gente para não perturbar os jogadores. Mas a gente ligava para os celulares deles. Só mais uma coisa: o psicólogo era engenheiro. Entendeu?

Mas, voltando ao meu-Brasil-paraguaio — como diria Samir Cury Meserani —, algumas pessoas em São Paulo já perceberam que pega mal ficar usando celular em lugares públicos e privados. É sinal de pobreza física e mental. Já chegaram à conclusão óbvia que um celular na hora da refeição é sinônimo de burrice mesmo. Como é burrice usar aquelas ostensivas e infernais maquininhas eletrônicas - agendas - para marcar, na frente de todo mundo, o telefone de sicrano, coitado, que fica ali na sua frente, em pé, com pressa, até você conseguir ligar a danada, digitar o nome dele, pedir - de novo - o telefone, errar, deletar tudo, começar de novo, e o cara ali, com o velho e bom cartão na mão. Os usuários dessas maquininhas se dividem em duas categorias. Na primeira, os 50% que já conseguiram apagar - sem querer - todos os telefones numa digitada só. A outra metade ainda vai fazer isso, mais dias, menos telefones. É uma questão de dedo mole.

Falei nos jogadores da nossa seleção. E os ministro da nossa seleção? Principalmente os da área econômica. Parece que há uma intenção deliberada de não deixar aquele mala(n) pensar. Em todas as fotos deles, lá está, ao seu lado, ou melhor, no seu ouvido, o celular. Jamais saberemos com quem ele está falando. Ou, pelo menos, ouvindo. Sabe-se lá em que língua.

Eu acho que foi o economista Roberto Campos (o Bob Fields, lembra dele?) que disse que celular é igual pênis de velho. Cada vez menor, dobrável e, na hora H, não funciona. E com capinha, eu acrescentaria.

Você pode ter certeza de que a coisa ainda vai evoluir. O relógio do cidadão será o celular do futuro. Vai ser muito engraçado. Já estou a antever o restaurante cheio de homens com gel e conversando com o relógio. A última moda. É como se ele estivesse beijando o punho. Leva na boca, leva no ouvido, leva na boca de novo, volta para o ouvido. Na hora da discussão familiar, tá vendo o ritmo boca-orelha-boca? Mas eles vão adorar. Até que um dia vão encontrar o porteiro do prédio com o relógio dependurado na orelha. E agora, o que é que eu faço?

Então ficamos assim: o chique agora é não usar celular. Àquelas pessoas que até agora se negaram a entrar na moda, meus parabéns. Foi de uma grande lucidez. Já que ninguém me liga, vou ficando por aqui. E vou continuar a usar os meus dois celulares. Afinal, sou um escritor. Pobre, como toda a minha turma. Uma turma em que todos têm celulares. E, quando funciona, a gente se liga e vai tocando a vida, louco por mais uma novidade que, tenho certeza, com que a Telefônica vai nos brindar. E eu, com as minhas economias, serei o primeiro a usar. Adoro essas maquininhas todas. Sou um pobre metido a rico.

Como o Brasil.

Fonte: http://www.releituras.com/marioprata:Extraímos o texto acima do jornal "O Estado de São Paulo", edição de 18/03/99.

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Mario Prata

QUEM TEM CULPA NO CARTÓRIO?

 Vender um carro não é tão difícil assim. O problema é que agora inventaram que a gente tem de ir ao cartório. Assinar lá aquele papelzinho e o sujeito reconhecer a firma da gente. Não adianta mandar ninguém. Tem de ser a gente.
Pois é. Vendi o meu carro e lá fui eu, na quarta passada, reconhecer a minha firma, palavra pomposa para a nossa humilde assinatura. Assinei na cara do sujeito e entreguei. Me pediu a carteira de identidade. Meu Deus, esqueci. Tento quebrar o galho.
— Sem a carteira de identidade não tem possibilidade.
— Meu amigo, está chovendo, foi uma luta estacionar o carro e...
— Impossível. O senhor não viu escrito ali?
Foi quando eu me lembrei do Estadão que estava debaixo do braço. Minha coluna, minha foto. Mostro para ele.
— Está vendo? Sou eu.
Olhou para a foto, olhou para mim.
— Reconheceu?
— É, reconheci. Mas, para reconhecer a firma, só com a identidade. É lei, olha a fila, meu senhor.
— Meu amigo, a carteira de identidade é para provar que eu sou eu, não é? Pois eu acabo de provar que eu sou eu. Ou não?
— Eu sei que o senhor é o senhor, mas não adianta. Olha a fila.
— Posso falar com o seu chefe?
— Não vai adiantar. É aquele. O de peruca. Seu Wilson.
Caminho na direção do seu Wilson. De longe, já começo a analisar a peruca dele. Peruca de homem, não sei por que, sempre me fascina. Me dá uma vontade quase incontrolável de arrancar, de fazer com que todo mundo em volta ria.
Vou olhando em volta. O cartório evoluiu muito. Agora está cheio de computadores. Tá "muderno". Numa mesa a Dulce, a Dudu e o Ferreira (gripadíssimo) dominam o computador para, logo em seguida, bater o carimbo. O carimbo! Céus, quando é que o burocrata vai livrar-se do carimbo? Fico olhando o trabalho da Dulce enquanto o da peruca atende uma senhora de laquê, muito nervosa. Conto: a Dulce bateu 93 vezes o carimbo em um minuto. Isso é que é funcionária! Mais ou menos uma e meia carimbada por segundo. Está noiva, a Dulce.
Seu Wilson era inteirinho cinza. Ia do cinza claro do terno até o cinza escuro da olheira. Seu Wilson estava conversando com a de laquê, me olhando de lado. Chega a minha vez. Ele:
— Conheço o senhor de algum lugar. O senhor já não foi no programa do Jô?
— Meu nome é Mário Prata e...
— Claro, do Estadão. Reconheci o senhor assim que vi o senhor entrando. Qual é o problema, Marinho?
Odeio que me chamem de Marinho. Mas como havia sido reconhecido, tudo bem.
— É o seguinte, seu Wilson. Vim reconhecer a assinatura da venda do carro e não trouxe a carteira de identidade e...
— lh...
— Mas como o senhor me reconheceu, pode reconhecer também a minha assinatura.
— É, mas só que, pra reconhecer a assinatura, eu preciso da sua carteira de identidade. É uma questão legal.
— Legal, né?
Sentei.
— Seu Wilson, acompanhe o meu raciocínio.
— Pois não.
— O senhor precisa da minha carteira de identidade para ter certeza de que eu sou eu, não é isso?
— Exatamente, Marinho.
— Mário, por favor. Mário Alberto Campos de Morais Prata. Então, continuando, se o senhor sabe que eu sou eu, acho que a gente podia deixar a carteira de identidade pra lá.
— Veja, Mário Alberto (piorou!), quando o decreto saiu no Diário Oficial...
— Tudo bem, tudo bem. Mas me diga, seu Wilson: quem sou eu (aliás uma pergunta que me tenho feito muito: quem sou eu)?
— O senhor é o Mário Prata.
— O senhor reconhece isso?
— O senhor está querendo me pegar, não é? Olha, Campos, agora não posso mais. O meu funcionário, entende? Eu não posso passar por cima dele, tirar a autoridade dele. Se o senhor tivesse me procurado antes, aí sim, talvez...
Fiquei me segurando para não arrancar a peruca dele e colocar fogo. Estava com o isqueiro aceso. Acendi o cigarro, pensei no meu avô Mario que tinha cartório em Uberaba. Pensei em Jesus pensando nos pobres de espírito, pensei no Brasil, pensei na mãe do seu Wilson, pensei que eu não era mais eu.
Liguei para a Isabela, que ia comprar o meu carro.
— Isabela, desisti. Descobri que eu não existo, Isabela.
E fui para o divã do dr. Leonardo Ramos, que tem de carimbar a receita para que eu possa comprar Lexotan.

Fonte:Site Oficial-marioprata.com.br
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Mario Prata

 Ata da Assembléia do Naná

Aos 22 de agosto de 1998, sábado, nas dependências de um apartamento situado na Rua Pernambuco, nesta capital, deu-se a criação da organização não-governamental denominada N.A.N.A (Nem Alcoólicos, Nem Anônimos), na presença dos seus três sócios-fundadores, os escritores e jornalistas Fernando Gomes de Morais, Matthew Gary Shirts e Mario Alberto Campos Morais Prata que secretariou e redigiu esta ata.
Entre outras providências, decidiu-se que:
Podem afiliar-se ao Naná todos aqueles que bebiam e não bebem mais, desde que não sejam anônimos.
Depois de acalorada discussão, chegou-se à conclusão de que os afiliados serão denominados nanicos. Havia um facção que tentava introduzir o nome nanistas, mas, por causa de prováveis trocadilhos futuros e manuais, optou-se pela primeira hipótese.
Será encaminhada cópia desta ata e convite para ingresso ao Naná aos senhores compositor Francisco Buarque de Holanda, escritor João Ubaldo Ribeiro, dramaturgo Benedito Ruy Barbosa, jornalista Sílvio Lancellotti, designer Flavio Del Carlo, entre outros.
Chegou-se à conclusão de que a vantagem de tomar cerveja sem álcool é que, por ser pouco consumida, está sempre geladinha nas geladeiras dos bares e restaurantes.
Por iniciativa do nanico Fernando, fez-se um voto de louvor ao ex-governador Orestes Quércia, que proibiu o uso de bebidas alcoólicas nas estradas paulistas, fazendo com que todos os postos tenham a sem álcool.
Ainda no item cerveja, o nanico Mateus informou que no Pão de Açúcar, da Praça Pan-Americana, está em promoção cerveja sem álcool, alemã, no que foi muito aplaudido.
Os recentes desempenhos sexuais dos integrantes nanicos foram mutuamente ovacionados, incluindo a mulher de um deles.
Entre as atividades esportivas, instituiu-se um campeonato de pôquer entre os nanicos com a finalidade única de entrarem para o Guiness, pois será a primeira rodada de pôquer sem álcool, do mundo.
O sabor das comidas (qualquer uma) também foi assunto efusivamente comentado e degustado.
Depois de duas caixas de cervejas, os sócios-fundadores, por unanimidade, chegaram à conclusão de que, antes, não tinham mais idéia do que era acordar (muito menos dormir) bem. Foi feita uma moção a todos os bares e restaurantes que servem a cerveja sem álcool em São Paulo, no Brasil e - por que não? - no mundo.
Será feita uma vaquinha entre os nanicos para que um dos sócios possa ir até a cidade de Madri, na Espanha, experimentar o lá fabricado uísque sem álcool e, em caso de aprovação, importar algumas caixas e, se possível, o Naná vir a ser o representante oficial de tal raridade, abaixo do Equador.
Decidiu-se que as roupas que não servem mais aos associados (os três juntos emagreceram 31 quilos) serão doadas para instituições de caridade que cuidam de alcoólatras em geral ou em particular.
Constatou-se que todos os signatários presentes tiveram de mudar o grau dos óculos, uma vez que passaram a enxergar muito melhor. E mais: dois deles deixaram de roer as unhas.
Foi prestada uma singela homenagem a vários brasileiros que não bebem mais, como Vinícius de Morais, Tom Jobim, Tarso de Castro, Marquito e Jânio Quadros.
Ficou definida como sede de campo do Naná o São Pedro Spa-Médico, de Sorocaba. Jogos de futebol -- já que todos voltaram a jogar, e bem -- será no campo particular do co-sócio Chico Buarque, no Rio de Janeiro.
E, por estarem todos embriagados de lucidez, sobriedade e felicidade, deu-se por encerrada a reunião, com todos os presentes fazendo um brinde (com suco de tomate importado) a Jesus Cristo, aquele que ficou famoso por transformar sangue em vinho e vinho em água.

Texto extraído do jornal "O Estado de São Paulo", 1998.http://www.releituras.com/marioprata
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Mario Prata

OLHA EU AQUI, MÃE

— Mãe, estou escrevendo na última página da Criativa.
— Da onde, meu filho?
— Da revista Criativa, mãe. Não conhece? Vende uns 500 mil exemplares por mês.
— Só? O Oscar, disseram que tinha 1 bilhão vendo. É revista de arquiteto, meu filho?
— Não, mãe. Revista de mulher.
— Pelada?
— Não, mãe, é séria. Feita de mulher para mulher.
— E você vai escrever aí? Na última pagina, ainda por cima? Por que não deixam você escrever na primeira? Por que você não escreve no Cruzeiro? Tão boa revista, meu filho.
— Já fechou, mãe.
— Meu filho, acho melhor não contar para o seu pai que você está escrevendo em revista de mulher. E a cidade, meu filho? Você conhece aqui, cidade pequena, vai todo mundo comentar: "você viu o filho dela? Sempre desconfiei...".
— Imagina, mãe. Tem moldes, receitas...
— Receita? Você vai escrever receitas, meu filho? Você nunca conseguiu fritar um ovo.
— Não, mãe. Vou falar do meu ponto de vista sobre as mulheres.
— Meu filho, não faça isso. Você sabe muito bem que você não entende nada de mulheres. Como marido foi um fracasso. Quantas mulheres você já teve, menino? Nenhuma te agüentou. Volta para a Globo, meu filho. Vai escrever novela, vai. Tão bonitas as suas novelinhas.
— Vou falar sobre orgasmo múltiplo.
— Múltiplo? Meu filho, que vergonha. Se o seu pai sabe disso, te mata. E a Parati, escreve para a Parati.
— Já fechou, mãe.
— E a Playboy? Por que você não escreve para a Playboy? Pelo menos na cidade não vão comentar.
— O Nirlando Beirão está escrevendo lá.
— Meu filho, aquele barbudinho que casou com a sua mulher? Estou quase chorando, meu filho. O primeiro marido na revista de mulher e o atual... Você está me fazendo sofrer tanto. Sabe o que eu acho, que você está escrevendo nessa revista para namorar as moças de lá.
— Imagina, mamãe, é uma revista moderna, criativa mesmo.
— Mas por que te puseram na última página? Estão abusando de você, meu filho. A gente educa, perde noites de sono, se preocupa, dá o melhor da gente para isso, meu filho?
— Pagam bem, mãe.
    — O dinheiro não traz felicidade, meu filho. Na Globo, sim, que você ganhava bem.
— A revista é da Globo, mãe.
— Vai sair na televisão?
— Não, da Editora Globo.
    — Mas não aparece na televisão? Ah, meu filho, que notícia mais triste. Você não tem vergonha? O Nirlando lá na Playboy e você aí? O que é que os seus filhos não vão pensar? Eu disse para você não se separar. Sabia que coisa boa não ia dar. Vão ficar rindo dos seus filhos na escola, meu filho.
— Fica tranqüila, mãe. Vai dar tudo certo.
— Eu me lembro, quando você tinha 14 anos e começou a fazer coluna social lá em Lins. Comentei com o seu pai: "Isso não vai dar certo". Olha onde você terminou.
— Mãe, eu estou feliz. Isso é uma conquista profissional.
— Já sei de tudo. Você vai querer que eu te mande aquela receita do meu vatapá, não é? Eu mando. Mãe é para isso mesmo. Tenho também aqui uns moldes de uns "taierzinhos".
— Não precisa, mãe.
— Tem uma moça aqui que faz umas cerâmicas muito bonitas, com rosas cor-de-rosa, uma beleza. Quer que eu peça para ela mandar umas fotos? Coitada, ela está tão necessitada. Talvez se sair aí na Criação.
Criativa, mãe.
— E o seu chefe é simpático, te trata bem? Você tem chegado no horário, meu filho?
— É chefa. Mulher.
Meu filho, recebendo ordens de uma mulher? Realmente é melhor o seu pai não saber disso. A revista vai vender aqui na cidade?
— Claro.
— Você quer me matar, meu filho. Fala a verdade. Quer ou não quer? Uma chefa, era só o que faltava. Só falta ela ser mais nova do que você.
— É.
— É o fim do mundo. (começa a chorar, desliga)
— Mãe, mãe...


Fonte:http://www.releituras.com/marioprata 
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Mario Prata

                              AS VELHINHAS VÃO A UM MOTEL


AS QUATRO velhinhas não chegavam a ser alcoólatras. Mas gostavam de um bom vinho. Todas tinham mais de 70. Entre 70 e 80. Duas viúvas e duas solteironas. Por ordem de idade, da mais velha para a caçula: Candinha, Floriscena, Abadia e Aspásia. Nasceram e sempre viveram num subúrbio do Rio, na Zona Norte. Eram conhecidas como as Papudinhas.
Eis que um dia, um calor imenso, foi aniversário da Denise, neta da Candinha, sobrinha-neta das demais. Denise era filha da Wilma. Wilma tinha uns cinqüenta e Denise estava fazendo trinta.
Foi um grande almoço naquele dia. Uma bela bacalhoada regada a muito vinho. Mas muito vinho mesmo. Denise, que foi quem me contou a história, disse que cada uma das Papudinhas devia ter entornado umas três garrafas de um litro de Dão 75, uma das melhores safras.
Estavam todas naquela alegria etílica quando tudo começou. E tudo começou quando a dona Wilma disse que havia feito uma grande reforma no banheiro da casa. Tudo começou quando dona Wilma disse que tinha colocado uma banheira de hidromassagem lá.

—O que é isso?, perguntou a mais velha, a Candinha.
—São essas banheiras que têm em motel.
—Em motel?, assanharam-se as Papudinhas.
—Em motel...

Seguiram-se alguns segundos de silêncio, mas a Denise percebia no rosto das velhinhas a curiosidade para ver uma coisa que só tinha em motel. Coisa do diabo, coisa do pecado. Dona Wilma também percebeu, mas ficou calada. Afinal, tinha mais gente na sala.
Foi a Aspásia, ou Tipá, a caçula de 70 anos, solteirona convicta e virgem, quem puxou o assunto novamente.

—Mas o que faz essa hidromassagem, minha filha?
Dona Wilma, já tão bebinha quanto as quatro velhinhas baixinhas, não teve dúvidas.
—Sigam-me as que nunca viram uma banheira de hidromassagem!

As quatro se levantaram ao mesmo tempo como se houvessem ensaiado aquela marcação, e seguiram, trôpegas e curiosíssimas, a dona da casa. Tinha um corredor e a primeira à direita continha a banheira do pecado, como já imaginavam as Papudinhas. Denise seguiu as cinco e ficou na porta.
Dona Wilma ligou a banheira. Aquele barulho já foi de uma excitação contagiante. Jatos de água explodiam em bolhas de espuma. Dona Wilma jogou um potinho que fez uma espuma imediata, branca e brilhante. Bolhas subiam pelo ar. Uma velhinha colocou a mão no jato.

—E sai quentinha, meninas! Nossa, deve ser uma maravilha!

Todas colocaram a mão e Abadia foi mais ousada ainda. Tirou o sapatinho preto e colocou o pé. O jato quase estoura as varizes da velha. Dona Wilma, que mal conseguia ficar em pé, naquele calor lá da Zona Norte, resolve entrar de roupa e tudo dentro da banheira. Denise fechou a porta e deixou as cinco lá dentro. Mas, da sala, tudo se ouvia. Voz excitada é sempre estridente.

—Também quero!, disse Candinha.
—Tragam mais vinho!, implorou Floriscena.
—Eu vou entrar, mas eu vou entrar pelada!, ousou Aspásia.
—Se você tirar a roupa, eu também tiro, disse alguém.
—Então vamos ficar todas como Deus nos criou.
—Será que não é pecado? preocupou-se Abadia.
—Uma festa desta não pode ser pecado, menina. Nem Cristo agüentaria isso...
—Nossa, encosta as costas no jatinho. Candinha.
—Meu Deus, que coisa boa!
—Quer dizer que é isso que fazem em motel, é?
—Tira o corpete também, sua bobinha.
—Ai, que coisa excitante.
—Nossa, está subindo uma coisa dentro de mim, como se fosse uma gasolina!

Denise olha pelo corredor e a água começa a sair debaixo da porta, invadindo o corredor de ladrilhos novos. Ela sorri, aumenta o som para que os demais não onçam a festa molhada lá dentro. Mas fica por ali, na porta, a ouvir a festa que massageava as velhinhas. Pouco a pouco, foi percebendo que as Papudinhas finalmente haviam descoberto o que era o prazer. Só saíram de lá de noitinha, como se nada tivesse acontecido. Como se estivessem saindo de um motel.
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Mario Prata
 O QUEBRA-VENTO

"Pequena janela móvel situada logo após o pára-brisa dianteiro de veículos automóveis e que dirige o vento para a direção desejada".
Lembra dele? O velho e bom quebra-vento? E já percebeu que não existe mais quebra-vento? A definição ali de cima é do Aurelio, o que vem constatar a importância do mesmo. Virou verbete. Nas próximas edições, deverão colocar "que dirigia o vento para a posição desejada".
Tudo no mundo vai acontecendo tão rapidamente que a gente vai perdendo os ganhos sem perceber. O quebra-vento, na minha opinião, é uma perda irreparável. Duvido que ele volte, um dia. Ou uma noite.
O quebra-vento era genial. Tal qual o Carlinhos Moreno (o Washington Olivetto fez um livro lindo sobre o garoto) ele tinha 1001 utilidades. Ou mais.
Neste fim-de-semana vim da praia para casa pensando nele. Melhor ainda, na falta dele. Cheguei a algumas conclusões definitiva e sociologicamente importantíssimas. Uma delas: o desaparecimento dele se deve - também - à campanha anti-tabagista. Com o quebra-vento você podia fumar dentro do carro tranqüilamente com a ponta do cigarro para fora, através dele. Não entrava a fumaça para dentro, protegendo até caronas asmáticos. E mais, batia a cinza lá para fora. Ecologicamente correto.
Claro que, naquele tempo, quase nenhum carro tinha ar condicionado. Ele - e apenas ele - era o ar condicionado, o refrigério daqueles tempo difíceis. E como era bom você direcionar o quebra-vento no seu próprio peito. Tá certo que todos os detritos dos escapamentos alheios vinham junto. Mas era uma viagem e, numa viagem, o que importa é o prazer. Aquele vento no peito, no queixo, curava até ressaca. Sim, se você estava de porre, aquele vento te confortava até chegar em casa são e salvo. Era mesmo uma proteção anti-etílica.
Só que, quando chovia e você  abria o QV, ficava pintando umas gotas no joelho esquerdo. Lembra, encharcava a calça Lee. Mas, até isso era reconfortante. Em alguns carros - o fusca, por exemplo - inventaram uma espécie de canaleta para proteger dessa aguinha. Em vão. A canaletinha enchia e enchia o saco.
E quando você trancava a porta com a chave dentro? Bastava enfiar um arame por ele - sempre ele - e levantar a alavanquinha. Para os mais aflitos, ia no pontapé mesmo.
Eu acho que o QV também começou a sumir quando surgiu aquela travinha para evitar maus olhados e alheios. Lembra? Você enfiava aquilo no meio dele e achava que estava protegido. Qualquer chave de fenda arrebentava aquilo. Mas todo mundo - como a gente era ingênuo! - tinha a travinha. Mas a travinha dava um certo trabalho porque, para abrir o QV, toda vez você tinha que abaixar o vidro todo, ali, na maçaneta, manualmente, fazendo a chuva entrar impavidamente. Depois levantar de novo com o QV devidamente direcionado.
Era o ar condicionado da época. E tinha lá suas vantagens: o motor não ficava mais fraco, não. E a alegria maior era quando você abria os dois das duas janelas, jogando o ar para dentro. Era uma ventania danada. Aquele furacão dava um certo prazer.
Um dia, algum engenheiro (americano, com certeza) resolveu acabar com a nossa alegria. E não avisou ninguém, não chamou a imprensa. Fez a coisa sorrateiramente, provavelmente na calada da noite. Inventou o vidro inteiro tirando o ar do nosso peito varonil. E, como ninguém percebeu, não foi nem julgado e nem condenado, o assassino dos nossos ventos.
Comecei a olhar os poucos fuscas que ainda rodam por aí. Todos eles com os devidos quebra-ventos. Aqueles motoristas são felizes e não sabem. Os que usam as amarelas Brasílias também. Invejo esses caras.
O que nós todos estamos precisando é isso: um arzinho na nossa cara. Não um ar condicionado, mas um vento incondicional para nos deixar alerta até mesmo contra os ladrões que entravam por ali, pelo quebra-ventos, e hoje entram com carros importados e toda a impunidade que os ventos de Brasília sopram em seus peitos.

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Mario Prata
 AMOR, SÓ DE LETRAS

Conta a história que dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva.
Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos portugueses, fazer o que? E quando a moça chegou no porto do Rio de Janeiro - consta - que ele fez uma cara emocionada. Pela feitura da imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.
Tenho um avô que foi pedir mão da moça e o pai dela disse:
- Essa tá muito novinha. Leva aquela.
E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu solteirona.
Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois, familiares que lá ficaram mandavam noivas para os que cá aportaram. Tudo no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima.
De uns tempo para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a cama antes, valia. Ficava-se antes.
Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto - finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo texto. Via internet. Via cabo, literalmente.
Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de carne e osso por uma aventura no mundo das letras.
Claro que estou me referindo aos encontros via Internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.
Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.
A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela.
E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.
Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da Venezuela. Ou do Arroio Chuí. Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente. "Uma pessoa com um texto desses..."
A tudo isso o bom texto supera.
Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na Internet", todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual trabalho, comecei a navegar pela dita suja.
E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais: conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet.
Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso:
- Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto.
Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso?
Quer uma prova? Estou fazendo um concurso de crônicas no meu site (marioprataonline.com.br), entre os leitores/escritores. Entre lá e veja o nível. Pessoas que há pouco tempo atrás odiava escrever redação nas escolas, estão descobrindo o texto. Leiam e me digam se eu não estou certo. E são jovens, muito jovens.
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.
Como diria Pelé, love, love, love.

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Mario Prata

SEXO, SEXO E MAIS SEXO!!!

Foi impressionante a velocidade com que você começou a ler esta crônica, não foi? Se seu título fosse A Nossa Primeira Santa (fica para a outra semana), você ia ler a matéria ali embaixo primeiro. Mas fique tranqüila que eu não vou te decepcionar. Vou falar de sexo, sexo e mais sexo.
Tudo começou quando eu resolvi rever (40 anos depois) Cleópatra, com a Elizabeth Taylor, Richard Burton e Rex Harrison. O filme, em 1962, custou 32 milhões de dólares. Muito mais que o Titanic com os seus ??200 milhões hoje em dia. Elizabeth Taylor tinha 30 anos e acabou se casando com o Richard Burton. Quem diria que, agora, 40 anos depois, acabaria no Michael Jackson, que tinha 4 anos quando ela fez o filme. E era negro.
Mas o que interessa é que o filme me fez interessar por a tal baixinha (como a atriz) Cleópatra e andei vasculhando alfarrábios. Como Cleópatra sempre foi sinônimo de sexo, uma amiga me presenciou com um delicioso encarte da revista Nova ("A revista da mulher cada vez mais nova"), já com o papel amarelado, denominado 265 Histórias Divertidas sobre Sexo. Não há a data da publicação. Mas informo que a coordenação do projeto foi da Dóris Martinelli e a edição e o (gostoso) texto da Márcia Lobo. Sugiro à editora Abril que reedite o caderninho.
E, antes que algum incauto venha a me acusar de preguiça e sonolência por não escrever um texto inédito, vou logo avisando que dá muito mais trabalho ficar copilando texto dos outros. Mas faço isso para meu e seu prazer.
Vamos lá. E já começamos com a Cleópatra. Começou suas atividades sexuais aos 12 anos. Com o irmão Ptolomeu e nunca mais parou. Diz lá que aprendeu certos truques num bordel de Alexandria e "era capaz de receber 100 homens em uma única noite... e nenhum se decepcionava".
Mas isso é pouco perto do rei Salomão, que "durante seus 40 anos de reinado teve cerca de 700 esposas e, no auge da potência, mais 300 concubinas".
E a rainha Vitória (da Inglaterra e avó da velhinha-mãe que morreu outro dia) foi uma grande repressora sexual. Ela não fazia "a menor idéia de que o lesbianismo existia até o dia que lhe apresentaram uma lei anti-homossexualismo para aprovar. Ela simplesmente cortou da lei toda e qualquer referência ao lesbianismo. Foi assim que o homossexualismo se tornou ilegal no Reino Unido e o lesbianismo perfeitamente legal".
Eles gostavam de:
"Espancamento e outros prazeres dolorosos eram o quente para o filósofo e romancista francês Jean-Jacques Rousseau, iniciado no masoquismo aos 11 anos por uma professora."
"Outro que gostava de sofrer, o escritor Fédor Dostoiévski, realizou-se vivendo com uma tuberculosa e, depois, com uma mulher frígida e sadomasoquista."
"Fotografar bumbuns era com Hitler, que tinha uma coleção dessas fotos."
Dizem também que ele tinha fetiches com botas, livros e filmes pornográficos. Consta que, apesar de ter se casado, morreu virgem. Viu o que acontece na cabeça de pessoas que não fazem sexo normalmente?
"Charles Chaplin, além de só querer (e conseguir) ninfetas, tinha uma quedinha por ménage à trois e às vezes se entusiasmava tanto que o trois virava quatre, cinque, six..."
"Napoleão Bonaparte gostava de sexo rápido, furioso e barulhento (daqueles de quebrar a cama e acordar todo o palácio), o que aconteceu várias vezes. Aos 40 e poucos anos, porém, a festa acabou: uma disfunção das glândulas endócrinas reduziu seu pênis a pouco mais de 2 cm."
"Consta que o grande conquistador Casanova usava metade da casca de um limão como anticoncepcional: além de funcionar como barreira, fornecia a acidez necessária para matar os espermatozóides."
Voltando à Cleópatra, veja o que achei do seu amante romano Júlio Cesar (aquele que, ao ser apunhalado na porta do Senado, olhou para trás e disse: Até tu, Brutus?): "O imperador Júlio Cesar era ironicamente chamado de 'o marido de todas as mulheres e a esposa de todos os homens."
"Hipócrates, o pai da Medicina, não era lá grande fã do sexo. Chegava a considerar o gozo sexual como 'uma pequena epilepsia'."
George Bernard Shaw (My Fair Lady) foi seduzido aos 29 anos por uma viúva bem mais velha, detestou a experiência a tal ponto que passou os 15 anos seguintes em total abstinência e nunca escreveu em suas obras as palavras 'pênis' e 'vulva'. "Nem similares."
Isaac Newton e Emmanuel Kant nunca transaram. Nem entre eles nem com ninguém. Goethe tinha ejaculação precoce (mas como é que descobriram essas coisas?)
A mulher do James Joyce, Nora Barnade, "dizia que ele não entendia nada de mulheres. Joyce tinha a mania de andar com calcinhas no bolso - calcinhas sujas".
E para encerrar, você sabia que existia peruca púbica? Pois é, já no século 17. Coisa das inglesas. As peruquinha se chamavam bowser. Tinha umas até com fitinhas...

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Mario Prata

PARA MIM, ISSO É GREGO

 Adoro brincar com palavras, palavrões, expressões, ditos populares ou impopulares. Descobrir a origem de palavras e frases. Tenho um amigo que me chama de O Rei do Dicionário Abril. Tenho todos, desde 75. Outro dia, no Jô, esbaldei-me (caí dentro de um balde?) de rir com o jornalista Marcelo Duarte, que escreveu um livro imenso (O Guia dos Curiosos, editora Cia. das Letras) só sobre essas bobageiras e, tenho certeza, para mim.
Agora saiu um outro livro (Isso é Grego Para Mim!, de Michael Macrone, da Universidade de Berkeley, pela Editora Rotterdan). Macrone, ainda garoto, vai buscar no grego e no latim, naqueles clássicos todos, as origens de algumas palavras e expressões. É uma delícia. Vou contar algumas:
ALTER EGO — Sêneca já dizia: "O que pode ser mais precioso que ter um amigo com o qual francamente possas falar a respeito de tudo? Um amigo assim é raro e, uma vez encontrado, deve ser diligentemente conservado, pois é como um outro eu (alter ego)". Só depois de Freud é que alter ego tomou o sentido de "uma identidade diferente de uma mesma pessoa".
O AMOR É CEGO — Viria da cegueira do Cupido, apontando sua seta dourada para alguma vítima. Mas pairam dúvidas, pois a cegueira do Cupido parece ter sido coisa pós-clássica.
AMOR PLATÔNICO — Claro, vem de Platão, é claro, que nutria um amor não sexual pelos seus jovens discípulos. "Na Grécia daquele tempo, não era raro adolescentes e rapazes se ligarem romanticamente a um homem mais velho, que ficava conhecido como o 'amante'." Parece que hoje em dia isso se chama pederastia. O meu amor, por exemplo, é um amor pratônico.
ARGONAUTAS — Era a nau de Jasão, construída por Argos, cujo nome, em grego, quer dizer veloz. Daí que veio a palavra dada aos aventureiros que chegaram na Califórnia em 1849, na grande Corrida do Ouro.
CALCANHAR DE AQUILES — Nem sempre Aquiles teve um calcanhar de Aquiles, que seria seu único ponto vulnerável. Conta a lenda que a flechada com que Páris o matou não foi bem ali que acertou.
CANÁRIO — Por que um pássaro teria o nome derivado de um cão (canis)? Foram originários de uma ilha que tinha muitos cães e pássaros (hoje as Ilhas Canárias, espanholas). Cães e pássaros foram levados para o continente. Os cachorros morreram, ficaram os canários.
SIRENE — Vem do canto das sereias, que tanto atraíam Ulisses e sua turma pelos mares. Apalavra sirene vem de sereia. Assim como as sereias chamavam os navegadores para a morte, hoje a sirene chama os operários para as fábricas. Sem contar a sirene da polícia, que coisa boa não chama.
CÍNICO — Mais uma vez, coisa de cachorro. Do grego kynicós, que significa "semelhante a cachorro". O apelido era dado aos filósofos de então e "trazia uma boa carga de desprezo por pessoas que não estavam lá muito preocupadas com a higiene pessoal e cujos costumes ascéticos colocavam-nas à margem do que considerava uma sociedade civilizada". Portanto, concluo eu, os hippies foram os cínicos dos anos 60.
FASCISTA — Os ajudantes de oficiais romanos usavam feixes (fascis, em latim) no ombro, como símbolo de autoridade. No final do século 19, na Itália, a palavra passou a significar "grupamentos políticos". Mussolini, antibolchevista, gostou do nome.
LACÔNICO — Quando Felipe da Macedônia escreveu aos magistrados de Esparta "Se eu entrar na Lacônia, reduzirei Esparta a pó", os lacônicos sucintamente responderam: “Se". Mais lacônico impossível.
MENTOR — Era um soldado, amigo de Ulisses, na Odisséia de Homero. Venceu uma batalha, salvando Penélope de uns tarados e o seu nome entrou para a história, embora não tenha vencido mais nenhuma luta.
OPERAÇÃO CESARIANA— Aqui pairam dúvidas. Todos sabem que Júlio César nasceu de uma cesariana. Mas acontece que, quando ele nasceu, ainda não era César. Chamava-se Caio Júlio. É como o caso do ovo e da galinha. Quem nasceu primeiro?
OSTRACISMO — "No século V a.C., os cidadãos votavam em seus inimigos públicos favoritos, escrevendo os nomes em um pedaço de cerâmica, utensílio que os gregos chamavam de óstrakon. Os vencedores eram prontamente banidos da cidade por dez anos." Ou seja, caíam no ostracismo.
QUEIMAR AS PESTANAS — Pitéas, líder popular ateniense, espicaça Demóstenes (aquele que treinava oratória com a boca cheia de pedras), dizendo que seus argumentos "cheiravam a lamparina" — em outras palavras, que eles revelavam demasiado estudo. Hoje diríamos que, para ele chegar aonde chegou, "queimava as pestanas".
SALÁRIO — "É aquilo que você recebe no final do mês e logo gasta em CD e despesas com o carro, mas, quando os soldados romanos recebiam seu salariam, era para que pudessem comprar sal, importado e precioso."
TRAGÉDIA — Supõe-se que a palavra vem de tragoidía, que significa "canção do bode". Bode, em grego é trágos. Deve ser verdade, porque, afinal, toda tragédia é um verdadeiro bode.

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Mario Prata

R E S S A C A

Você também está? Normal. E, na incapacidade de ter uma idéia melhor, recorri ao velho e bom Google (a enciclopédia do novo milênio) e nos 25.600 sites que falam na ressaca, descobri que existe um time de futebol de salão lá no Japão que se chama F.C. Ressaca. Mas Belo Horizonte não fica atrás e tem um time com o mesmo nome, desde 1975. Ou seja, os caras estão bebendo até hoje. E achei várias ressacadas pérolas. Veja:
Luis Fernando Veríssimo:
“Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo.
Cada porre era um desafio ao céu e às suas feras. E elas vinham: Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais - golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente”.
Fernando Puga:
“Poucas coisas caem tão bem quanto uma boa bebidinha de vez em quando, para relaxar e se soltar. Mas, como é de conhecimento geral, o álcool em excesso não faz lá muito bem. E não só durante o porre, quando uma espécie de retardamento geral baixa em todo o organismo, mas também no doloroso – em todos os aspectos – dia seguinte. É aquele tenebroso amanhecer com sabor de arrependimento e cabo de guarda chuva que faz muita gente jurar nunca mais encostar em nada que leve álcool na composição, inclusive combustíveis e produtos de limpeza. No entanto, não é preciso radicalismo: da mesma forma que é possível beber sem acabar a noite pelada no telhado, a ressaca também pode ser evitada”.
The New York Times:
“Enquanto sobram trabalhos científicos estudando a intoxicação por álcool, parece que poucos pesquisadores até hoje resolveram se devotar ao próximo passo lógico: o estudo da ressaca. Mas parece que isso está mudando.
Para entender o porquê, é só seguir o dinheiro. O uso abusivo de álcool custa, só nos EUA, US$ 148 bilhões por ano, em razão de trabalhos perdidos e de baixo rendimento profissional -principalmente por culpa de ressacas, segundo um dos estudos citados na revisão escrita pela equipe de Jeffrey Wiese, da Universidade da Califórnia em San Francisco.
O grupo, composto por Wiese e outros dois médicos, fez uma extensa análise da literatura médica e encontrou cerca de 4.700 estudos sobre intoxicação por álcool, mas apenas 108 sobre a ressaca, que, segundo eles, custa em média US$ 2.000 por ano a cada trabalhador norte-americano”.
www.ogirassol.com.br/geral7.htm:
“A ressaca não discrimina ninguém. O poeta Vinícius de Moraes, o escritor norte-americano Ernest Hemingway e o ex-presidente russo Boris Yeltsin que o digam! Apesar de intelectuais e famosos, o que para muitos representa o distanciamento de certos vícios, esses foram alguns dos figurões que entornavam a garrafa e sabiam muito bem o que era acordar mal no dia seguinte, fazendo cair por terra o estigma de que bebedeira é coisa de gente das classes subalternas.
Em outros países, a ressaca também traz seus sintomas. Na Itália, por exemplo, a expressão utilizada para se referir a esta conseqüência é dopo sbornia, que quer dizer depois da farra. Na Inglaterra, se fala hang over (pronuncia rangouvâr), que significa pendurar o dia (dia perdido). O francês diz gueule de bois, expressão que quer dizer, literalmente, garganta de madeira. Em espanhol, assim como em português, ressaca é igual ao refluxo das ondas, mas também a inconstância e a volubilidade”.
Istoé:
“Qual o melhor remédio para curar ressaca? Por enquanto nenhum. Foi essa a conclusão a que chegaram pesquisadores ingleses que buscavam tratamentos eficazes contra o mal-estar causado pelas bebidas alcoólicas. O estudo, publicado na última edição da revista British Medical Journal, revela que as alterações do metabolismo são tantas (desde dores de cabeça até desidratação e desequilíbrios hormonais) que não existe ainda uma droga que possa corrigir todas elas ao mesmo tempo. Ainda, segundo a pesquisa, o etanol (álcool) pode não ser o responsável direto pela ressaca, mas sim um elemento desencadeante dos distúrbios que poderiam ser agravados por componentes químicos secundários nas bebidas. Os voluntários da pesquisa ingeriram 20 bebidas diferentes. A conclusão: em ordem decrescente, causam mais ressaca o vinho tinto, o rum, o uísque, o vinho branco”.
Juliana Romão:
“Quem conhece a prazerosa boemia entende da apavorante palavra "Ressaca". Quem conhece a prazerosa boemia entende de dor de cabeça. Quem conhece a prazerosa boemia agradece a existência da incrível Neosaldina. Mas quando nem essa cápsula marrom nem a farsa do sal de frutas resolvem, a solução é aceitar a morte momentânea.
O dia de ressaca é surreal. Quem afirma jamais ter recitado a frase "nunca mais vou beber", devia ter vergonha de mentir descadaramente. O acordar começa completamente seco. A primeira imagem que vem à mente é um garrafão de água gelada. A segunda, é a distância da nossa cama até ele. O organismo parece querer sair de nós e encontrar um dono mais comedido.
Alguns se revoltam mesmo e "saem", liqüidamente. Nada mais terrível. E o dia vai se passando lentamente, reforçando a ausência de coragem. Tem gente que não consegue nem falar, que dirá, agir. A cabeça é um vulcão em erupção que jorra lavas por todo o corpo”.
Viu?, a coisa é geral. Amanhã vai ser outro dia. Você vai estar bem. Normal. Foi carnaval e a gente merece.

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Mario Prata
 O CHUVEIRO

Já estão clonando gente. As vacas ficaram loucas, já mando mail com imagem e som. Tudo evolui no mundo. Tudo, até o guarda-chuva. Menos o chuveiro. Não o chuveiro em si, mas a regulagem da temperatura. Não existirá ninguém no mundo preocupado com isso?
Na nossa casa, tudo bem. A gente conhece bem a torneira da direita e a da esquerda e, quase automaticamente, consegue que a temperatura da água fique como a gente quer.
Mas é ir tomar banho noutra casa que a coisa complica. Esquenta ou esfria.
Nos hotéis, por exemplo, o problema é internacional e cada vez pior. Pode ter zero ou cinco estrelas. É sempre uma luta.
Primeiro, que não se colocam mais aquela bolinha vermelha ou azul para você começar as negociações. Vermelho é quente, azul é fria. Então você tem que ligar uma delas e ficar esperando que esquente. E o problema é que a gente nunca sabe quanto tempo demora para esquentar. Mas, digamos que não esquente. Você fecha aquela torneira e abre a outra. E fica esperando. Mais ou menos o tempo da primeira, e nada. Chega-se à conclusão de que a quente é a outra. A essa altura, os dois braços já estão molhados. De água fria, é claro.
Vai de sete a nove minutos para você descobrir qual é a quente, depois de umas quatro tentativas. Agora começa o problema maior. Regular as duas. Tá pelando, você abre a fria (a da direita, não vá se esquecer). Aí fica tudo muito frio. Você diminui uma, aumenta um pouco a outra, chega no ponto, já com as duas pernas molhadas, de água fervendo. Aí você entra, começa o banho.
De repente, a coisa começa a esquentar, esquentar e você tem que sair dali debaixo. Está pelando (do verbo pelar, tirar a pele). Olha para as duas torneiras. Qual mesmo que é a fria? Nunca mais acerta. O melhor é desligar as duas até o fim e começar toda a operação. Consegue, de novo, depois de muita luta, o corpo todo já molhado, mas fora do jato. Aí vem uma onda fria (da Argentina?) e gela tudo. Qual é mesmo a quente?
Depois de 20 minutos onde - aparentemente - a água está no seu ponto, você nota que o jato está vindo muito grosso, levanta o braço para rosquear lá em cima, para a coisa ficar mais aberta. Aí abre demais, passando ao largo da sua cabeça pegando, no máximo, a ponta dos dedos, se os braços abertos estiverem. Aí, já com as duas mãos, você torce a coisa para o outro lado. É quando pára tudo e começa a sair tudo pelo chuveirinho que fica serpentando pelo box, feito uma cobra. E, inexplicavelmente, a água volta a ferver.
Nesse momento, geralmente, você está com a cabeça toda ensaboada.
A única vantagem de tomar banho em hotel é que ninguém está vendo a sua inglória luta. Sim, porque chuveiro de hotel humilha qualquer um. A impressão que eu tenho é que quando você consegue regular a coisa, um cidadão resolve tomar banho num outro apartamento e, dependendo da quente ou da fria que ele use, desregula o hotel inteiro. Então temos que considerar isso também. Vou deixar de uma maneira tal que se aquele gringo do 1.086 for tomar banho só frio lá em cima, vou perder só dois graus aqui embaixo.
Dentro de pouco tempo você está fazendo contas mirabolantes, considerando os 800 quartos do hotel. Todos, claro, tentando regular o deles e, conseqüentemente, desregulando a sua vida.
São bobagens como esta que a gente fica pensando quando faz 55 anos e se pergunta: preciso esquentar ou esfriar a minha vida? Mas como fazer isso, sem depender das outras pessoas? Se todo mundo está regulando em cima de você e você nem sabe mais se o bom é pela esquerda ou pela direita?
Ou seja, estamos todos nas mãos dos encanadores. Estamos, sempre entrando pelo cano.
É uma fria ou não é?

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Mario Prata
 AINDA AS ELEIÇÕES

As eleições, para mim, perderam a graça. Tudo por culpa do modernismo eletrônico e da televisão.
Em primeiro lugar, não se fazem mais comícios como antigamente. Em praça pública. No palanque da praça central. Na minha cidade, tinha um palanque que era fixo. Ali ficavam as autoridades nos desfiles cívicos e militares. Ali, cantores do rádio vinham encantar a gente.
E, nas eleições, era dali que a gente via o Adhemar de Barros gritar: "Enquanto eu estou aqui, a minha mulher está na zona de Jaú". Ou o Jânio que passava pela cidade no último vagão da Noroeste do Brasil, tirava um sanduíche do bolso e mandava bala.
Como gritavam os políticos d'antanho. Tinha cidade onde o alto falante nem sempre funcionava. Chiava. O jeito era ir no grito, no peito e na raça. Ainda hoje em dia, vendo os velhos políticos, noto que eles não perceberam que os microfones funcionam e continuam a gritar como se estivessem na década de 40 ou 50. Mesmo na televisão, eles agem como se estivessem nas públicas praças.
Agora tem o horário político. Devo confessar que adoro. Principalmente os candidatos a vereadores. De tão hilários, deveriam ter mais espaço na telinha. Um deles, lá de Sorocaba, travesti, dizia: "Não preciso do seu voto. Minha clientela me elege". E dava o ponto na rua tal, esquina com tal. Adoraria ver a bicha num palanque rodando a baiana e apontando os seus clientes na platéia.
O horário político, foi feito para eles entrarem nas nossas casas. Mas não entram, só espiam.
Depois inventaram as carretas, as passeatas, os panelaços e outras palhaçadas. Você vê o seu candidato passando correndo pela sua rua. A impressão é que eles estão correndo para outro bairro.
Depois, tem a mala direta. Não sei onde esses caras arrumam o endereço da gente. Mas todo dia chegava de dois a três envelopes, cheios de santinhos. Pelo menos é bom para rascunho. E os erros de português, que maravilha. Tinha um que começava assim: "fazem oito anos que"... Ou seja, não dá para ler até o fim.
Mas o mundo mudou e a lusitana continuou a girar. Tudo bem, sejamos modernos. Mas, depois chega a apuração. Era aqui que eu queria chegar.
Com essa coisa de querer fazer apuração de primeiro mundo, perdemos a graça do nosso maravilhoso terceiro mundo. Urna eletrônica. Todo mundo aplaudiu e é mesmo gostoso apertar aqueles botõezinhos e pronto. Foi um sucesso. Monteiro Lobato, Elis Regina, Machado de Assis e Grande Otelo foram exumados, sem autorização das famílias e voltaram às nossas telas.
Mas o mais grave de tudo, foi a rapidez da apuração. Perdeu a graça, gente. Tinha coisa melhor do que você ficar em casa diante do rádio ouvindo aquelas intermináveis apurações, com papelzinho e lápis na mão, anotando tudo? Dias e mais dias, noites, madrugas, torcendo, anotando, como se fosse uma classificação do brasileiro de futebol. Fulano crescendo, beltrano caindo nas apurações da zona leste, por exemplo.
Nas suas casas e diretórios, os candidatos também sofrendo, torcendo, fazendo contas impossíveis. Durava mais de uma semana o lúdico sofrimento. Era bom demais. Agora, não. Quatro ou cinco horas depois, já se sabe quem ganhou. Qual é a graça? Onde fica o espírito de competição, o espírito esportivo? Antigamente uma eleição era decidida em dias, semanas. A gente sofria, torcia, apostava. Agora ficou uma caca.
Tinha subornos, sacanagens, votos preenchidos pelos próprios mesários. Protestos, processos, denúncias. Agora, não. Está tudo certinho. Parece com os Estados Unidos. É isso que eles queriam. Um dia, por engano, ainda vamos eleger o Clinton. Ou não será por engano?
Sei que, dentro de alguns anos, não vamos nem precisar ir até ao colégio para votar. Vamos votar de casa mesmo, através da internet. Mas quer coisa mais gostoso do que sair de casa, entrar pra votar, pegar uma filinha, encontrar amigos, tomar uma cervejinha em casa depois? Será que vai ter boca de urna dentro da casa da gente? Os lixeiros vão adorar, é claro.
É por essas e outras que o FH se alia ao Maluf, seu velho inimigo na época da ditadura. Que vergonha, meu Deus. Não temos mais eleições, nem apuração e nem Partidos mais no Brasil. Os Partidos estão irremediavelmente partidos. Tudo é luta pelo poder. Aliás, a esquerda velha sempre gostou de um cargo. E, quando consegue, não quer largar.
Pior que uma eleição de primeiro mundo, só mesmo uma reeleição de terceiro mundo. O Fujimore entende dessas coisas.
Tecnicamente pra frente. Politicamente pra trás.
Dá pra rir? Dá.
A eleição brasileira acaba de entrar na menopausa.

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Mario Prata
 O MELHOR É NÃO TELEFONAR

Goste de ver televisão. Talvez veja até mais do que seria necessário. E, ao contrário de muito gente, gosto dos comerciais. Rio com alguns, me emociono com outros e – pasme ! – já cheguei a chorar naqueles trinta segundos. E mais, acredito nos comerciais, levo a sério e – não poucas vezes – acabo comprando umas facas que jamais vou usar, uns desodorantes meio secos e até bicicleta ergométrica que logo viram cabides. No plural, pois já comprei duas.
Estou dizendo isso tudo por causa das campanhas dos DDD e DDI. Tudo bem que o Sérgio Motta, no governo FHC, resolveu o nosso problema. Telefone hoje é quase de graça e todo mundo tem, como convém. Mas o meu querido e inesquecível Serjão, antes de morrer, inventou o “número da operadora”. Precisava disso, meu amigo? A partir daí a minha vida nunca mais foi a mesma.
Pois agora cada vez que eu vou fazer uma ligação, começa o meu sofrimento. Para quais países mesmo que tem desconto neste final de semana? Acabo ligando para o Japão, onde não conheço ninguém, só por causa de uns olhos azuis.
Mas tem aquele outro que disse que de noite, se ligar para uma pessoa da mesma operadora, não paga. Mas eu tenho que ligar antes para perguntar se a pessoa tá na mesma roubada minha. Complicado.
Depois vem os descontos. Nunca me lembro se está 0,90 ou 0,09 o minutos. Ou será o segundo?
O problema se torna mais sério, quando você quer responder a um número que te chamou. Até pouco tempo, bastava apertar um botãozinho e se fazia o retorno. Agora não, porque vem sem o tal do número da operadora. Você tem que ter papel e caneta - e nunca tem, e quando tem a caneta falha - para anotar o número e tem que ser rápido antes que a luzinha do painel apague. Não é?
E qual é mesma a operado que cobre o Brasil todo? E porque aquela do sul é a melhor do sul? E se eu estou no norte, como fica?
Outra dificuldade é - estando fora do seu estado – retirar os recados gravados. Ninguém consegue me explicar como fazer isto. No momento tenho que ligar para mim mesmo, apertar umas teclas que acho que só serve pra isso – e ainda por cima de chama jogo da velha –o digitar o meu código. Tem que fazer isto de um outro telefone e deixar o seu ficar tocando até você mesmo atender lá dentro da máquina e você mesmo dar o seu código para você mesmo. Aí entra aquela voz soturna dizendo que eu tenho uma nova mensagem. Eu sei, pô!
Só que depois que você desliga fica piscando na sua tela que você tem uma chamada não atendida. Que foi a que você acabou de fazer. Céus!
Vamos fazer o seguinte Ana Paula Arósio: passa lá em casa amanhã e me explica tudinho, tim-tim por tim-tim, é claro. Se não o Sérgio Motta vai começar a te ligar lá do Céu, como se vivo fosse.
Pessoal, vamos facilitar, tá? Custa? Custa quanto? É por segundo ou por minutos? É horário comercial ou só de madrugada? E para falar com o japonês tem quer ser de noite aqui ou lá?
E a conta vem onde? Junto com a do celular?
Alô, alô... Tá dando ocupado. Tenho que teclar o jogo da velha?
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Mario Prata
 ESTRESSE, PARA MIM, É PIADA

Há dias que o estresse vinha batendo. A ponto de ser necessário procurar o velho Aurélio. Sim, porque a palavra é nova. Há uns anos atrás, não sei se era a palavra ou o estresse que não existiam. Acho que primeiro inventaram a palavra. Aí estressou todo mundo. Com o colesterol foi a mesma coisa. Criou-se o mito, depois que se proibiu a gordurinha. Aliás, há alguns anos atrás ninguém relacionava o estômago com a cabeça. Aí pintou a palavra psicossomático e todo mundo passou a ter explicações para o que antes era a simples, corriqueira e velha diarréia.
Descobriram que a dor de barriga era mais em cima.
"Conjunto de reações do organismo a agressões de ordem física, psíquica, infecciosa, e outras, capazes de perturbar-lhe a homeostase; estricção."
Isso é o que está no Aurélio, sempre em dia com os bodes novos. Resumindo o que ele quis dizer: pertubaram a minha homeostase. Uma questão de estricção, sacou? E eu não iria aumentar o meu estresse indo atrás da homeostase. E jamais iria me estriccionar. Imagina, nessa idade.
Preferi procurar um psicanalista e contar a parte da minha vida mais recente, desde que eu comecei a conviver com anjos e demônios. Os Anjos do Badaró.
Ele achou perfeitamente normal o meu estresse, mas não podia me recomendar repouso absoluto. Mesmo porque, anjo que é anjo da guarda não sai da cabeça da gente. Principalmente quando esses anjos são invenções da gente mesmo.
Mas podia me ajudar, me tranqüilizou no final da tarde de hoje. Eu precisava não voltar correndo para casa, eu precisava me afastar do trabalho. Esquecer o livro, as crônicas, os palpites alheios, os chats. Eu precisava relaxar, me orientava o jovem psicanalista que, na verdade é meu vizinho, além de titular de psiquiatria da Federal.
- Por exemplo, me disse ele. Aqui embaixo, no prédio mesmo, no sub-solo, tem um barzinho manero. Um piano-bar. Tem lá agora um happy hour bonzinho. Pouca gente, sossegado. Você desce, fica ouvindo um pianinho, depois vai pra casa, cuidar da vida. Um pianinho bem piano piano.
- E você acha que se eu ouvir uma hora de pianinho piano piano eu vou ficar numa boa, esquecer tudo, desestressar?
- Não não é só ir lá e ouvir. Precisa ter um certo método. Precisa procurar o relaxamento, o distanciamento do mundo lá de fora. Lá dentro não se ouve nem as buzinas da rua. Só o piano. Quando eu fico muito estressado com os estresses dos outros, vou lá. Saio de lá, outro.
- Método? Método para relaxar, cara?
- Você entra e vai até o balcão. O bar tem um belo balcão. Pede um martini seco.
- Martini seco. E daí?
- E daí que não vá virar a taça de uma vez. Ameaça fazer isso, mas não faça.
Controle a sua ansiedade. Apenas passe o lábio pelas bordas. Pegue o palitinho da azeitona, fica girand ele pra lá e pra lá. Se começar a ficar ansioso, leve a azeitona até a boca. Mas ainda não dê nenhuma mordidinha.
Domine a situação. Vai com calma. Lambe gostoso. De um lado, depois do outro lado. No galhinho.
Desci, entrei. Realmente um pianinho pianíssimo lá no canto. O bar vazio.
Sete da noite. Fui ao balcão, pedi o Martini Seco. O garçom trouxe. Confesso que quase virei num gole só. Mas, não, eu não podia ter pressa. Já ia levando a mão, recuei. Deixei a tacinha lá, ela que tinha que ficar estressada. Ela que me suplicasse.
Foi quando eu vi o macaquinho. Um macaquinho, pequeno, de verdade, lá na ponta do balcão. Me olhando. Fiquei firme. Não iria me estressar por causa de um macaquinho na ponta do balcão.
Mas o danado do macaquinho veio andando lentamente para o meu lado, quase ao ritmo do bolero do pianista. Velhinho o pianista, como o som que tentava me relaxar.
O macaquinho veio andando, parou em cima da minha taça de martini, uma perna de cada lado, agachou-se, colocou o saco lá dentro, levantou-se e foi embora.
Eu não podia me estressar. Eu estava ali para relaxar. Mas aquilo começou a me subir à cabeça. Não tinha ninguém por perto para comentar a situação. Só o velhinho tocando o píano. Eu precisava falar com alguém.
Segurando uma explosão interna, fui até o velhinho, tentado manter a compostura. Calmamente coloquei a mão no seu ombro e disse:
- Um macaquinho colocou o saco dentro do meu martini!
O velhinho parou a melodia, olhou nos meus olhos, aproximou a orelha e disse:
- Assovia o comecinho pra ver se eu lembro a melodia...
ps. Marina, você já conhecia?

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Mario Prata

B I D U

Na semana passada falei aqui em palavras que surgem do nada, de repente, não mais que de repente, e entram no ouvido e na gente, com significados novos. Falei da palavra bizarro, sem ser bizarro. Palavras e expressões. Pois depois fiquei pensando em algumas palavras e expressões e ditos que somem.
“Cartear marra” é uma delas. Usadíssima nos anos 60, não vejo ninguém mais carteando marra. Quantas vezes nós, adolescentes, nos bailinhos, ao vermos alguém de outra cidade querendo dançar com as nossas meninas, chegávamos perto: não vem cartear marra aqui, não. Cartear marra era querer ser metido a gostoso.
Hoje, décadas depois, vou ao dicionário. Cartear significa também “chutar”. E marra, coragem. Portanto a expressão estava correta: fingir coragem. E, cá entre nós, naquele tempo todo mundo carteava marra.
Outra genial: “par de besta”. Tipo assim: o cara veio com par de besta pra cima de mim e eu sai na porrada. E eu nunca entendia porque o sujeito com um par de besta (o animal, claro), significava que era todo valentão. O que é que a besta tinha a ver com valentia?
Mas hoje, descobri. O primeiro significado da palavra besta é uma arma, uma espécie de arco para atirar setas. Portanto, o cara que vinha com par de besta, vinha armado, vinha para agredir, para ofender.
Por outro lado, e ainda mais bestial, o interessante é que o sujeito “metido a besta” era o metido a gostoso, a bonitão, a conquistador. Aqui, no caso, nunca entendi o porque da besta. Se você for metido a besta, me explique.
E tinha uns mais valentões que vinham com par de besta cartear marra. Geralmente eram mais fortes que nós e a gente se “danava (a palavra não é bem esta) em verde e amarelo”. E eles tiravam as nossas minas para dançar. Justamente a que estava de “tomara que cai” e havia nos prometido “dar uma tábua” nele. Depois ela me explicaria: queria o que? Que eu tomasse “chá de cadeira”? Você já imaginou o que significa levar tábua e tomar chá de cadeira? Nem que a vaca tussa você sabe. E o gostosão com a nossa menina nos achando “bola murcha”.
Mas uma que eu nunca entendi mesmo – até hoje – é “mixar o carbureto”. Passei a manhã de hoje olhando dicionários, dando uns telefonemas e nada. Se alguém aí souber a origem, me diga. A expressão era usada – e muito mesmo – quando a coisa – qualquer coisa – não dava certo. Se dizia: mixou o carbureto. Será que a origem seria acabar o gás? Pode ser?
E o cara que era “café com leite”, lembra? Também não tem o menor sentido. Café com leite era aquele sujeito quer não contava, que não sabia fazer nada. Podia estar a mais num time de futebol, podia dançar com as minas. Café com leite era quase um bobo.
Naquela época não tinha “pêr-répis”, a não ser se você fosse “gilete”. A gente saía para “encher o picuá” dos outros e qualquer problema, “noves fora zero”.
Mas o que mais me irritava, na adolescência, era a minha irmã mais velha achar que eu era “inocente”. Já tinha uns doze anos e ela dizia que eu era inocente. E olha que eu já era culpadíssimo!
Me desculpe cartear tanta marra...

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Mario Prata
 CRIANÇA DIZ CADA UMA...II

Outro dia escrevi, aqui mesmo, uma crônica com o título acima e choveram cartas contando as peripécias de crianças por esse Brasil todo. Quais são os pais que não guardam as "besteiras" que os filhos dizem quando pequenos? Vamos a algumas delas.
* Aninha já estava com dois anos. Loira, linda. Nunca tinha cortado o cabelo. Eram amarelo-ouro e cacheados. "Parecia um anjinho barroco", diz a mãe coruja.
Lá um dia, a mãe pega uma enorme tesoura e resolve dar um trato na cabeça da criança, pois as melenas já estavam nos ombros. Chama a menina, que chega ressabiada, olhando a cintilante tesoura.
- Mamãe vai cortar a cabelinho da Aninha.
Aninha olha para a tesoura, se apavora.
- Não quero, não quero, não quero!!!
- Não dói nada...
- Não quero!, já disse.
E sai correndo. A mãe sai correndo atrás. Com a tesoura na mão. A muito custo, consegue tirar a filha que estava debaixo da cama, chorando, temendo o pior. Consola a filha. Sentam-se na cama. Dá um tempo. A menina pára de chorar. Mas não tira o olho da tesoura.
- Olha, meu amor, a mamãe promete cortar só dois dedinhos.
Aninha abre as duas mãos, já submissa, desata o choro, perguntando, olhando para a enorme tesoura e para a própria mãozinha:
- Quais deles, mãe?
* Claudia tinha seis anos. Seus pais se separaram. O pai arrumou outra namorada e a engravidou. Resolveu ter o filho. Foi contar para a Claudia, filha do primeiro casamento.
- Filhinha, o papi quer te contar uma novidade.
- Ahn...
- Você vai ganhar um irmãozinho.
- A mamãe tá grávida?
- Não, filhinha. É com a minha namorada.
Claudinha fica intrigada. Seis anos:
- Mas como é que você vai ter um filho com a Fernanda se vocês não são casados?
O pai se embaraça, sai pela tangente:
- Sabe o que é, filhinha, a cegonha errou a data, entende?
- Cegonha, papi? Cegonha?
- É, errou a data... Acontece...
- Papi, eu estou achando que você andou colocando uma sementinha na Fernanda!!!
* Na cidade tinha um padre muito temido pelas criancinhas. Ralhava com todo mundo, era contra minissaia, namoros, beijos, decote, tudo. Era o terror da garotada, o Padre Castanho.
Zé Carlos, uns oito anos, adorava escutar futebol junto com o pai, pelo rádio. E adorava ficar imitando os locutores. Enquanto ia jogando futebol de botão ia narrando os jogos, imitando o Fiori Gigliotti.
Estava lá um dia, irradiando o jogo, com aquele palavreado típico todo, quando houve um gol e ele chamou o "repórter de campo":
- O que foi que só você viu, Padre Castanho?!!
* E o pai daquele garotinho, o Bruno, foi designado para trabalhar em Washington durante dois anos. Na viagem, a mãe foi explicando ao Bruno, quatro anos, como seria a vida nos Estados Unidos, que lá é tudo diferente, o povo, a comida e, principalmente, a língua.
Bruno ouvia tudo, no avião, muito curioso.
- Como que é a língua, mã?
- É outra língua, completamente diferente. Mas, com o tempo, você vai se acostumando.
Uma semana depois, a mãe vai buscar o filho na escola, depois do primeiro dia de aula. Bruno tinha passado o dia inteiro lá. Vem a professora americana, toda preocupada:
- Seu filho é um amor. Participou de todas as atividades. Só que não disse uma única palavra. Não abriu a boca nem na hora do lanche.
Voltando para a casa, a mãe pergunta ao filho:
- A professora me disse que você não abriu a boca nem para comer. Sem fome, filho? Estranhou a comida?
- E eu sou bobo? Se eu abro a boca eles trocam a minha língua...
* Laurinha era separada e tinha duas filhas. Conheceu Carlinhos que era igualmente separado e tinha quatro filhos. Só que três de um casamento e o caçula, Pedro, de uma outra relação.
Laurinha e Carlinhos se casaram e juntaram os seis, numa mesma casa. Passa o tempo, Laurinha se engravida de Carlinhos. Reunem todos os filhos numa sala para dar a notícia.
Laurinha:
- Queremos avisar a todos vocês que eu e o pai de vocês vamos ter mais um filho.
No que o caçula Pedro, incontinenti:
- Ué, mas pode ter filho morando junto?

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Mario Prata

A MORTE DO TELEFONE ?

Quando surgiu a televisão, disseram que o rádio ia morrer. Não morreu. Quando surgiu a Internet, constou que o livro ia morrer. Tá vivo.
Por outro lado, sempre me intrigou o fato dos grandes provedores da rede no mundo serem de companhias telefônicas. Deveria ter uma jogada, ali. Primeiro, a óbvia: enquanto você está conectado, você está usando uma linha telefônica. Ponto para eles. Mas no último domingo, me caiu a ficha completa.
Estava eu conversando com uma amiga que está trabalhando em Londres. Conversando pela internet. No Messenger. Para quem não sabe, o Messenger te dá a oportunidade de digitar aqui, ela recebe lá na mesma hora, responde e por aí vai. Uma espécie de e-mail instantâneo.
Mas agora, com o Messenger 6.1, você pode usar uma webcam (tem até por oitenta reais, em qualquer lugar) e, tendo uma placa de som (mais simples ainda), você inicia uma videoconferência. Ou seja, nem precisa mais digitar. Você vê e ouve a pessoa. Você aqui e ela lá em Londres. Um telefone ao vivo!
E quando você está pagando por este telefonema ao vivo e internacional? Nada, se você tiver internet a cabo. Ou melhor, você paga uma mensalidade fixa. Só que pode ficar conversando 24 horas por dia e não paga nem um tostão a mais.
Pois estava eu ali, conversando com a Luciana e comecei a pensar no D. Pedro II e no Graham Bell. Quando o inventor mostrou a descoberta ao amigo e rei do Brasil, este disse: isso fala? E deve ter pensado: não tem mais nada para se inventar. Pouco mais de cem anos depois, terá o telefone ficado obsoleto? Acho que é a tendência.
Claro que o papo pelo Messenger ainda é meio precário. A imagem que vemos da outra pessoa ainda é do tamanho de uma caixa de fósforo. Mas será por pouco tempo. Logo-logo, vamos ter a pessoa na tela cheia. Ao vivo e a cores. E, mais um pouco, pelo próprio celular (que será mais um micro computador do que apenas um telefone) você vai conseguir a mesma coisa.
Eu estou dizendo isto tudo, mas acho que a cultura do telefone é muito grande para ele ir desaparecendo assim de uma década para a outra. O telefone discado ou digitado faz parte da nossa vida, dos nossos amores e dos nossos negócios. E o celular, que tanto galho quebra, ainda é um baby. Crescerá, ficará adolescente? Sei lá.
Agora veja a coincidência. Tenho que mandar esta crônica até uma da tarde. E acabo de descobrir que o Terra, o meu provedor, está fora do ar aqui em Florianópolis. E eu não tenho fax normal, porque sou metido a moderno. Só pelo computador. Ou eu vou ter que imprimir isso aqui e sair atrás de um fax de algum vizinho, ou vou ter que passar pelo... telefone! Verdade. Agora nada mais importa. Nem outlook, nem messenger, nem fax pela internet. Estou mesmo ilhado.
Vou ligar para o Estadão: querer ser muito moderninho dá nisso.
Me desculpe, meu grande Alexander Graham Bell, me desculpe. Não vai dar nem para terminar a crônica. Vou ter que sair agora atrás do velho e bom fax pelo telefone. Ou ditar para o pessoal do caderno2.
Espero que tenha chegado tudo direitinho aí.

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Mario Prata

APERFEIÇOANDO OS INVENTOS

O que mais me impressiona não são as novas invenções. São os aperfeiçoamentos delas.
A tesoura, por exemplo. Não existe registro - que eu saiba - sobre quem inventou a tesoura. Hoje, vista assim de longe, parece uma bobagem. Ninguém liga. Só não podem entrar em avião. Mas tente imaginar o mundo sem uma tesoura. Um mundo, pior ainda, sem a tesourinha de cortar unhas. Mas o que eu admiro na tesoura é a pessoa que inventou a parte de baixo do cabo ser maior para você colocar mais dedos ali. No começo não devia nem ter aquelas rodelinhas para os dedos. Mas a tesoura evoluiu.
O grampo para cabelo. Tenho certeza que, no começo, não devia ter aquela pontinha mais gordinha que é para não ferir o chamado couro cabeludo. Quem bolou isso merece meus respeitos, apesar de eu não ser dado a usá-los.
E o retrovisor dos carros? Antes os caras deviam ficar olhando para trás para ver se tinha mais algum Ford por ali. Tente dirigir um carro sem retrovisores, tente.
O aparelho de barbear com duas lâminas. Durante décadas Mr. Gillette, viveu as honras de uma lâmina. Agora já são três e não deve parar por aí. Daqui a pouco vão trasformar o barbeador de lâminas em elétrico. Isso não vai durar cinco anos. Aí eles vão se machucar. E alguém de bom senso vai inventar de novo a lâmina de barbear, aquela que vem na caixinha azul e a gente tem de colocar num aparelho - digamos - meio complicado. Mas muito, muito charmoso.
Não preciso nem falar no controle remoto da televisão, não é?
Mas tem invenções que levam seus maus apefeiçoamentos. Dizem que o nosso Santos Dumont se suicidou quando descobriu que os aviões estavam jogando bomba lá do alto na sua invenção. Se ele soubesse o que jogam hoje!
As cercas, até o século 19, eram de arames normais. A vaca encostava ali - às vezes ajudada por uma amiga - forçavam e iam pastar noutra freguesia. Aí teve o gênio que inventou o arame farpado. Esse cara deve ter ajudado a aperfeiçoar alguns instrumentos de tortura também, né?
Dizem que quando as lâmpadas foram inventadas, elas só ficavam em pé, em cima dos móveis. Por quê? Porque o gênio Thomas Edison não tinha pensado na rosca. A rosca veio anos depois e subiu aos tetos. Não caem, mas queimam.
Você sabia que até 1913 não existiam palavras cruzadas? Foi um americano chamado Arthur Wynne quem as inventou. Mas não haviam os conceitos. Era só o quadro e você ia forçando palavras que se encaixassem lá. Até que um dia... "Vou exigir que coloquem as palavras que eu quiser." Foi uma revolução. Foi chamado de egoísta, acadêmico. Mas era gênio, este segundo.
O rifle foi inventado em 1520 por um alemão. Ele achou que o invento já era tão bom, que nem pensou em colocar mira. Quem colocou a mira lá na ponta do cano foi um americano, séculos depois.
O leite condensado foi criado em 1851, nos Estados Unidos, é claro. Mas só depois de um século e uma década é que ele foi descoberto como o antídoto da larica. Na minha cabeça, pelo menos, tomou um outro conceito. Muito mais condensado ainda.
Veja a história do trem, por exemplo. A abertura é da Barsa:
"As primeiras pesquisas referentes à tração a vapor sobre trilhos remontam à segunda metade do século 18 e incluem as contribuições de Newton, Joseph Cugnot e William Murdock. Entre 1801 e 1804, Richard Trevithick construiu dois modelos de locomotiva a vapor, aperfeiçoados depois por George Stephenson e seu filho Robert que, em 1829, venceram o concurso de Rainhill com a locomotiva denominada The Rocket (O Foguete). As locomotivas de Stephenson foram usadas na primeira ferrovia de serviço público e, com o tempo, tiveram aumentados seu tamanho e potência."
Mas vocês sabem quanto tempo demorou para inventarem o vagão-dormitório? Cinqüenta! Ou seja, durante meio século os caras dormiam sentados ou em pé, no chamado O Foguete. Bem, depois que inventaram o vagão-dormitório, logo em seguida criaram a sacanagem lá dentro. O movimento é muito interessante. E ainda se pode ver a paisagem. Na Europa é um luxo!
O jeans é de 1873, inventado em plena conquista do oeste americano pelo Oscar Levi-Strauss. Demorou um século, começo dos 70, para que as meninas resolvessem rasgar uns pedaços de suas calças e deixar aparecer a pele naqueles vãos que, diga-se de passagem - estão ficando cada dia maiores. Obrigado, Mister Levi's, pelos furos da sua invenção.
Tenho a impressão que quando resolveram usar papel (higiênico) ele vinha em folhas e ficava ali do lado do chamado vaso sanitário (nunca me conformei em chamar algo sanitário de vaso. Vaso é para flores e não se fala mais nisso). Aí um gênio - talvez no milênio passado, resolveu fazer um rolo e ir rasgando. Século depois alguém inventou aquilo que fica preso na parede e ele ali dependurado. Tudo ia bem com o honesto papel higiênico até que um metido a gênio resolveu picotar o papel. Fazer aqueles furinhos. Primeiro que os espaço entre as duas partes picotadas é mínimo. Não dá nem para assoar o nariz. E, em segundo lugar, não deu certo! (risos). Você já viu aquilo rasgar onde eles querem?
E quando inventaram a guerra tinha a tropa. Era a tropa que ia para a guerra. Hoje não tem mais tropa, reparou? Guerra mais sem graça essa! Pra mim, guerra sem trincheira não é guerra! Vamos retroceder um pouco, gente. 

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Mario Prata

 O CHURRASCO

Cada vez chego mais à conclusão que não existe nada mais melindroso do que um churrasco caseiro. E, ao mesmo tempo, relaxante.
Sim, porque no Brasil todo mundo entende de duas coisas: ou é metido a ser técnico de futebol ou a fazer churrasco. Tem os que sabem. E tem os outros. E é muito difícil você ver alguém fazendo um churrasco e não dar pelo menos um palpite. E o churrasqueiro de plantão sabe que, se sucumbir ao primeiro investimento alheio, terá de aturar o chato até o fim da tarde.
Os palpites já começam na hora de acender o fogo.
- Você não tem aquele negocinho para colocar embaixo, que fica pegando fogo?
- Com jornal! Pega os classificados!
- O Caderno2, não!!!
- Se não abanar, não vai pegar. Vai por mim.
- Colocou muito carvão. Vai sufocar o fogo. Não disse?
- Tá muito alto. Joga água!
- Não falei para não jogar água? Olha aí, apagou.
- Você é que não abanou. Dá licença?
Fogo pronto, todo mundo já na segunda caipirinha, as esposas lá do outro lado. Se tem uma coisa que mulher não entende é de churrasco. Participam, no máximo, com a salada e os gritos de: amor, traz mais um pano de prato?
Aí começam os palpites pra valer:
- Se eu fosse você, colocava a lingüiça na parte de baixo.
- O quê??? Vai fatiar a picanha? Peloamordedeus!, isso é uma infâmia!
- Olha, sem querer ser chato, mas eu acho melhor colocar a gordura para o lado de baixo. Depois virar. E não virar mais.
- O problema do lombo é que demora mais. Precisa ficar embaixo. Muita gordura, meu.
- Tá vendo?, pinga a gordura e o fogo sobe. Assim não vai dar. Joga a água.
- Limão? Na picanha?
- Aquela lingüiça ali já não está boa? Cadê o pão?
- Mas não fui eu quem ficou de comprar o pão. Clotilde! Não tem pão!!!
- Me dá licença? Posso virar a costela? O que é isso que você colocou aqui? Orégano??? Tá doido, cara?
- De peixe eu entendo. Só sal e limão. Não, cara, sal grosso, não. Sal fino. Põe por dentro. Assim, ó. Tem papel laminado, não?
Já está todo mundo ali a ponto de enfiar o espeto no colega de repartição quando começam a chegar as crianças.
- Já tem lingüiça, paiê?
- Já disse que eu chamo. É surdo?
É quando chega o colega retardatário e, antes de cumprimentar?
- Esse fogo tá muito alto. Com licença. Se tem uma coisa que eu entendo é de churrasco, Edgar. Deixa comigo. Quem é que está fazendo a caipirinha? Muito açúcar. Tá um melado isso aqui.
- Põe mais carvão, Souzinha.
- Queimei o dedo!
- Sei não, eu, por mim, virava essa picanha. Vai torrar, cara.
- Você precisa comprar uma faca melhor. Olha aí. Isso aqui está estragando a carne.
- Joaninha, cadê a faca boa? Aquela que o seu pai me deu?
- Cuidado que tá quente, filho. Não disse? Não me ouve...
- Mas não tem nem uma manteiguinha para passar na batata, Nestor?
- Clotilde!!! Eu já não disse que margarina não serve? Olhaí, derrete muito rápido, esfria a batata. Ah, meu Deus do céu!
E por aí vai, até escurecer e o fogo apagar de vez.
Existe uma teoria psicanalítica de que quem faz churrasco não precisa fazer terapia. Que os grandes e amadores churrasqueiros são todos pessoas muito bem resolvidas.
Deve ser verdade, pois colocam avental com uma feminilidade cativante. Ficam - dois ou três homenzarrões abraçados - olhando por horas e horas para o fogo ardente, brigando e discutindo como se fossem marido e mulher. Já notou? Já notou quando um queima o dedo, com que carinho é tratado pelos outros? Já vi barbudo chupar o dedo do outro ali, ao lado das brasas da amizade.
Se não houvesse o churrasco caseiro, os homens seriam muito mais tristes, muito mais violentos.
Fazer um churrasco num sábado, resolve todos os problemas da firma, do casamento e dos filhos. O homem vira um herói de si mesmo.

Fonte:http://www.marioprataonline.com.br/ 
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Mario Prata

Você é um envelhescente ?

Se você tem entre 45 e 65 anos, preste bastante atenção no que se segue. Se você for mais novo, preste também, porque um dia vai chegar lá. E, se já passou, confira.
Sempre me disseram que a vida do homem se dividia em quatro partes: infância, adolescência, maturidade e velhice. Quase correto. Esqueceram de nos dizer que entre a maturidade e a velhice (entre os 45 e os 65), existe a ENVELHESCÊNCIA.
A envelhescência nada mais é que uma preparação para entrar na velhice, assim com a adolescência é uma preparação para a maturidade. Engana-se quem acha que o homem maduro fica velho de repente, assim da noite para o dia. Não. Antes, a envelhescência. E, se você está em plena envelhecescência, já notou como ela é parecida com a adolescência? Coloque os óculos e veja como este nosso estágio é maravilhoso:
- Já notou que andam nascendo algumas espinhas em você? Notadamente na bunda?
- Assim como os adolescentes, os envelhescentes também gostam de meninas de vinte anos.
- Os adolescentes mudam a voz. Nós, envelhescentes, também. Mudamos o nosso ritmo de falar, o nosso timbre. Os adolescentes querem falar mais rápido; os envelhescentes querem falar mais lentamente.
- Os adolescentes vivem a sonhar com o futuro; os envelhescentes vivem a falar do passado. Bons tempos...
- Os adolescentes não têm idéia do que vai acontecer com eles daqui a 20 anos. Os envelhescentes até evitam pensar nisso.
- Ninguém entende os adolescentes... Ninguém entende os envelhescentes... Ambos são irritadiços, se enervam com pouco. Acham que já sabem de tudo e não querem palpites nas suas vidas.
- Às vezes, um adolescente tem um filho: é uma coisa precoce. Às vezes, um envelhescente tem um filho: é uma coisa pós-coce.
- Os adolescentes não entendem os adultos e acham que ninguém os entende. Nós, envelhescentes, também não entendemos eles. "Ninguém me entende" é uma frase típica de envelhescente.
- Quase todos os adolescentes acabam sentados na poltrona do dentista e no divã do analista. Os envelhescentes, também a contragosto, idem.
- O adolescente adora usar uns tênis e uns cabelos. O envelhescente também. Sem falar nos brincos.
- Ambos adoram deitar e acordar tarde.
- O adolescente ama assistir a um show de um artista envelhescente (Caetano, Chico, Mick Jagger). O envelhescente ama assistir a um show de um artista adolescente (Rita Lee).
- O adolescente faz de tudo para aprender a fumar. O envelhescente pagaria qualquer preço para deixar o vício.
- Ambos bebem escondido.
- Os adolescentes fumam maconha escondido dos pais. Os envelhescentes fumam maconha escondido dos filhos.
- O adolescente esnoba que dá três por dia. O envelhescente quando dá uma a cada três dia, está mentindo.
- A adolescência vai dos 10 aos 20 anos: a envelhescência vai dos 45 aos 60. Depois sim, virá a velhice, que nada mais é que a maturidade do envelhescente.
- Daqui a alguns anos, quando insistirmos em não sair da envelhescência para entrar na velhice, vão dizer:
- É um eterno envelhescente!
Que bom.

Fonte:http://www.marioprataonline.com.br/Estadão 1993 
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Luis Fernando Verissimo

Homem que é homem

Homem que é Homem não usa camiseta sem manga, a não ser para jogar basquete. Homem que é Homem não gosta de canapés, de cebolinhas em conserva ou de qualquer outra coisa que leve menos de 30 segundos para mastigar e engolir. Homem que é Homem não come suflê. Homem que é Homem — de agora em diante chamado HQEH — não deixa sua mulher mostrar a bunda para ninguém, nem em baile de carnaval. HQEH não mostra a sua bunda para ninguém. Só no vestiário, para outros homens, e assim mesmo, se olhar por mais de 30 segundos, dá briga.

HQEH só vai ao cinema ver filme do Franco Zeffirelli quando a mulher insiste muito, e passa todo o tempo tentando ver as horas no escuro. HQEH não gosta de musical, filme com a Jill Clayburgh ou do Ingmar Bergman. Prefere filmes com o Lee Marvin e Charles Bronson. Diz que ator mesmo era o Spencer Tracy, e que dos novos, tirando o Clint Eastwood, é tudo veado.

HQEH não vai mais a teatro porque também não gosta que mostrem a bunda à sua mulher. Se você quer um HQEH no momento mais baixo de sua vida, precisa vê-lo no balé. Na saída ele diz que até o porteiro é veado e que se enxergar mais alguém de malha justa, mata.

E o HQEH tem razão. Confesse, você está com ele. Você não quer que pensem que você é um primitivo, um retrógrado e um machista, mas lá no fundo você torce pelo HQEH. Claro, não concorda com tudo o que ele diz. Quando ele conta tudo o que vai fazer com a Feiticeira no dia em que a pegar, você sacode a cabeça e reflete sobre o componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino. Depois começa a pensar no que faria com a Feiticeira se a pegasse. Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Sim, de acomodação. Quantas vezes, atirado na frente de um aparelho de TV vendo a novela das 8 — uma história invariavelmente de humilhação, renúncia e superação femininas — você não se perguntou o que estava fazendo que não dava um salto, vencia a resistência da família a pontapés e procurava uma reprise do Manix em outro canal? HQEH só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinhas em conserva! HQEH arrota e não pede desculpas.
Este país foi feito por Homens que eram Homens. Os desbravadores do nosso interior bravio não tinham nem jeans, quanto mais do Pierre Cardin. O que seria deste pais se Dom Pedro I tivesse se atrasado no dia 7 em algum cabeleireiro, fazendo massagem facial e cortando o cabelo à navalha? E se tivesse gritado, em vez de "Independência ou Morte", "Independência ou Alternativa Viável, Levando em Consideração Todas as Variáveis!"? Você pode imaginar o Rui Barbosa de sunga de crochê? O José do Patrocínio de colant? 0 Tiradentes de kaftan e brinco numa orelha só? Homens que eram Homens eram os bandeirantes. Como se sabe, antes de partir numa expedição, os bandeirantes subiam num morro em São Paulo e abriam a braguilha. Esperavam até ter uma ereção e depois seguiam na direção que o pau apontasse. Profissão para um HQEH é motorista de caminhão. Daqueles que, depois de comer um mocotó com duas Malzibier, dormem na estrada e, se sentem falta de mulher, ligam o motor e trepam com o radiador. No futebol HQEH é beque central, cabeça-de-área ou centroavante. Meio-de-campo é coisa de veado. Mulher do amigo de Homem que é Homem é homem. HQEH não tem amizade colorida, que é a sacanagem por outros meios. HQEH não tem um relacionamento adulto, de confiança mútua, cada um respeitando a liberdade do outro, numa transa, assim, extraconjugal mas assumida, entende? Que isso é papo de mulher pra dar pra todo mundo. HQEH acha que movimento gay é coisa de veado.
HQEH nunca vai a vernissage.

HQEH não está lendo a Marguerite Yourcenar, não leu a Marguerite Yourcenar e não vai ler a Marguerite Yourcenar.


HQEH diz que não tem preconceito mas que se um dia estivesse numa mesma sala com todas as cantoras da MPB, não desencostaria da parede.


Coisas que você jamais encontrará em um HQEH: batom neutro para lábios ressequidos, pastilhas para refrescar o hálito, o telefone do Gabeira, entradas para um espetáculo de mímica.


Coisas que você jamais deve dizer a um HQEH: "Ton sur ton", "Vamos ao balé?", "Prove estas cebolinhas".


Coisas que você jamais vai ouvir um HQEH dizer: "Assumir", "Amei", "Minha porção mulher", "Acho que o bordeau fica melhor no sofá e a ráfia em cima do puf".


Não convide para a mesma mesa: um HQEH e o Silvinho.


HQEH acha que ainda há tempo de salvar o Brasil e já conseguiu a adesão de todos os Homens que são Homens que restam no país para uma campanha de regeneração do macho brasileiro.


Os quatro só não têm se reunido muito seguidamente porque pode parecer coisa de veado.

Fonte:www.releituras.com/lfverissimo 

Texto extraído do livro "As mentiras que os homens contam, Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 89.
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Mario Prata
É Carnaval ?


Antigamente, quando o carnaval tinha lança-perfume da Rhodia (chamada Rodouro) e era vendida na porta do clube, a coisa era mais organizada. As pessoas esperavam pelo carnaval. Hoje tem carnaval todo dia. Naquele tempo, já dizia Jesus a seus discípulos-foliões, todo mundo trabalhava os outros 361 dias do ano. Ou estudava. Então, quando chegava o carnaval, o negócio era pra valer. Homem vestido de mulher era o mínimo que se permitia.
O evento – sim, era um evento – começava meses antes. Os compositores, os melhores compositores brasileiros, faziam as músicas “para o próximo carnaval”. Os cineastas brasileiros faziam os musicais da Atlântida para lançar as pérolas. Quando chegava fevereiro todo mundo já sabia “de cor e salteado” umas dez delas. Cidade Maravilhosa, Olha a Cabeleira do Zezé, Pierrô Apaixonado, Chiquita Gonzaga, lá da Martinica, Letra Ó, De Caniço e Samburá, Coração Corinthiano.
E, em função das músicas, se faziam os blocos para o clube. Famílias se reuniam, se organizavam, bolavam os figurinos, gastavam uma “nota preta”.
Nos dois sábados que antecediam as quatro noites, tínhamos o que era chamado de “pré”. Não, não tinha nada a ver com cheque-pré. O baile pré-carnavalesco já vinha embutido no preço das mesas para as quatro delirantes noites. Era o aquecimento, o treino, o bate-bola, o bate-coxa.
As pessoas cheiravam (lança) e caiam no meio do salão e aquilo era uma festa, não era uma droga. Outras bebiam e iam regorgitar (acabo de descobrir que esta palavra não tem nem no Aurélio, nem no Houaiss) lá na varanda. E depois, é claro, tinha uma bela duma sopa de cebola que ia até lá pelas oito da manhã. Sendo que no sábado e na terça tinham as matinês para a “gurizada”. E os jovens pais aproveitam para colocar os filhos nos ombros e cairem na gandaia naquele calor carnavalesco.
Namoros começavam naqueles dias. Outros, terminavam por causa de algum rapaz ou moça da capital que vinham cativar a caipirada. E quem “animava” os bailes eram grandes orquestras com mais de quarenta músicos. Orquestras que eram contratadas a preço de ouro um ano antes.
O carnaval era uma coisa séria, minha senhora. Hoje todo dia é dia de carnaval. Mas sem ter lança-perfume para jogar na bundinha das meninas, não tem a menor graça.
Agora quando chega o carnaval as pessoas procuram uma praia para descansar do carnaval que foi o ano todo. Onde já se viu?
E eu, como atualmente moro numa praia, estou pensando – seriamente – em cair na gandaia daqui a pouco. Vestir uma camisa listrada e sair por aí, “botando bezerro, botando pelo ladrão, deitando o verbo, destripando o mico, deitando carga ao mar, falando aos peixes”.

Fonte:www.marioprataonline.com.br
 
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Mario Prata

COISAS DA TEVÊ TUPI

 Modernidade no começo dos cinqüenta era a inauguração de uma coisa chamada televisão para menos de cem proprietários de aparelhos em toda a cidade. Modernidade era aquela imagem vindo por dentro de um fio, se esquentando em válvulas que - às vezes - explodiam na cara do telespectador.
Bons tempos aqueles onde não se tinha o vídeo-tape e tudo era feito na base do aqui e agora. Tudo, tudo, até os anúncios,eram ao vivo. Nada mais pré-moderno. Claro que as mocinhas - que se chamavam garota-propaganda, ficavam meio sem graça quando a porta da geladeira não se abria em pleno ar, ou o fogão não se acendia. O sorriso era amarelo, mas não fazia mal porque a televisão estava longe, muito longe das cores.
Nestes pré-modernos tempos da nossa televisão tupi (niquim), dezenas, centenas de histórias folclóricas rolam como tapes desgastados pelo tempo. São histórias do tempo que tudo era ao vivo e em preto-e-branco.
Era a Tupi. Era o Teleteatro Tupi. Todo sábado, ao vivo, no horário nobre. Cada dia uma peça inteira, de teatro, adaptada pelos nossos melhores roteiristas (aliás são os mesmo que escrevem novelas hoje em dia, quarenta anos piores). A cena - extremamente dramática - era mais ou menos assim: uma atriz está na sala, sozinha, lê uma carta, a câmera se aproxima dos seus olhos, um par de lágrimas rola paralelos, câmera recua, ela vai até a mesinha, pega a caixa de fósforo, queima a carta, joga o papel em chamas no cinzeiro. Câmera vai para a porta, entra o galã, sente o cheiro de papel queimado e diz, suspeitando de alguma coisa:
- Hum, que cheiro de papel queimado...
Isso foi o ensaio da cena. Agora está na hora de entrar no ar, ao vivo. Tudo pronto para a transmissão. Começa a cena. A mocinha lê a carta, a mocinha chora, a mocinha procura o fósforo e... onde está o fósforo? O contra-regra não colocou o fósforo na mesinha, porra! O que fazer? É ao vivo! Ela não tem dúvida, rasga a carta e coloca em cima do cinzeiro. Câmera vai para a porta, entra o galã já dizendo a sua fala: hum, que cheiro de... quando percebe que o papel não foi queimado. Mas ele não perde o rebolado e diz:
- Hum, que cheiro de papel... rasgado!
Outra história do Teleteatro Tupi. Uma peça também ultra-dramática sobre a vida de Joana D'Arc. Tudo indo muito bem até a penúltima cena, que é justamente o julgamento da sapatona. Enquanto esta cena está rolando - ao vivo! - ao lado, noutro cenário, já está a fogueira pronta, com a coitada lá amarrada e tudo, esperando apenas o corte de uma cena para a outra. Assim que dessem o veredicto, cortava para a fogueira. O General se levanta para dar a sentença:
- Consideramos a ré culpada e a condenamos à morte por enforcamento!
Zum-zum-zum no estúdio! O General errou! teria que dizer que a condemados à morte por fogo, na fogueira. Afinal, além de estar tudo arrumado ao lado, era a versão oficial. Ninguém sabe o que fazer. Maior saia-justa no estúdio do Sumaré. Eis que um figurante-sem-fala, um mero soldadinho que estava ali para ilustrar a cena, cutuca o General e diz:
- General, não seria melhor queimar a moça?
No que o General, percebendo a besteira, arremata:
- Sabe que é uma boa idéia?

Fonte:www.marioprata.com.br
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Mario Prata

O REPÓRTER E O LINOTIPO

Quando faço palestras em faculdades de jornalismo, os estudantes me fazem a mesma pergunta: você acha importante o diploma para se exercer a profissão?
Não sei, porque nunca freqüentei uma faculdade e não conheço os currículos. Mas sei que tem algumas matérias que eles não ensinam lá: português, reportagem e história universal da imprensa. Se ensinam, ensinam mal.
Os alunos saem de lá sem a mínima idéia da serventia da vírgula, por exemplo. Acham que tudo se resolve com reticências... E não se fazem mais repórteres como antigamente. Aquele que ficava até um mês na rua e chegava com um furo de reportagem. Sabe o que é furo, menina? Hoje os furos são armados lá no andar de cima, entre os poderosos. Quando dizem que a Veja derrubou o Collor com a denúncia do outro Collor, o Pedro, não foi obra de nenhum repórter. Alguém procurou a Veja. Recentemente, a Época publicou  o curta-metragem entre o Waldomiro e o Cascata (perdão, Cachoeira). Não foi nenhum repórter quem conseguiu aquilo. Foi alguém da oposição quem levou de bandeja. Hoje o jornalista fica oito horas dentro da redação lendo press-release. E dando uns telefonemas, mascando chicletes.
Um garotinho apresenta um assassino no rio e a imprensa engole. Um rapaz (consta que) matou seu pai e o jornalista fica sentado esperando que a polícia ache o assassino e dê uma coletiva. Ninguém sai da redação para procurar nada. O jornalismo de hoje é sedentário. Nem fumar na redação pode mais. Onde já se viu um repórter sem um cigarro na boca, deixando cair a cinza no teclado?
Outro dia duas garotas (último ano de jornalismo, em São Paulo) me entrevistaram e eu falei em linotipo. Elas perguntaram o que era aquilo. Último ano de jornalismo e não saber o que fazia um linotipista é o mesmo que um formando de medicina desconhecer as mezinhas (com z, revisão) ou um advogado se formar sem saber o que é data vênia.
Estou escrevendo tudo isto, porque acabo de ler o livro “Cem Quilos de Ouro (e outras histórias de um repórter)”, do Fernando Morais, lançado recentemente pela Companhia das Letras. Tenho a impressão que a simples leitura do livro vale por quatro anos de jornalismo universitário. O livro é uma aula de como fazer jornalismo, do que é um repórter e qual a sua função dentro de um jornal. Mais que uma aula, um curso, uma faculdade inteira.
Será que as faculdades de jornalismo já mandaram seus alunos lerem o Fernando?
Será que as faculdades pedem aos seus alunos para lerem as antigas edições da revista O Cruzeiro, que chegava a tirar 700.000 exemplares nos anos 60? Aquilo ali é outra aula de reportagem. Uma revista investigativa. Será que eles ensinam quem foi Samuel Wainer e a revolução que ele fez na imprensa brasileira? Será que eles contam que o Rubem Braga foi para a segunda guerra mundial – no front – fazer crônicas? Sim, crônicas.
Será que alguém lá nas cátedras pode explicar que quiser não é com z?
Enfim, meu queridos alunos de jornalismo, leiam o livro do Fernando Morais. Vocês vão aprender muito mais do que colocaram na sua cabeça em quatro anos. Muito, muito mais.
E, por favor, senhores professores, citem o Ferreira Gullar: a crase não foi feita para humilhar ninguém...
E, para terminar, o que é mesmo um linotipo? E o que é mesmo um repórter?

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo (07/04/04)
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Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)

PROVA FALSA

Quem teve a idéia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de educação.

— Mas o cachorro era um chato — desabafou.

Desses cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.

— Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.

Ainda por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão. Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.

— Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o "pobrezinho".

Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.

— Você é um desalmado — disse ela, uma vez.

Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em cima do vestido novo de sua mulher.

— Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.

— Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.

— Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?

— Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.
E suspirou cheio de remorso.

Texto extraído do livro "
Garoto Linha Dura", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 51.

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Mario Prata

O DIA QUE O CHICO FEZ 27 ANOS E MEIO

Às vezes, eu escrevo uma crônica aqui achando que vai ser o maior sucesso e não tem nenhum retorno. Outras, despretensiosas, acontecem. Por exemplo: outro dia, eu disse não saber a origem do "cuspido e escarrado". Choveram cartas, telefonemas, paradas na rua. Só eu mesmo não sabia que a origem da expressão era, originalmente, "esculpido e encarnado", para designar "a cara de", "igualzinho a", etc.
Outra crônica foi aquela história da Silvinha, filha do Chico. Será que foi por se tratar da filha de uma pessoa famosa? Ou a história teria vida própria se a personagem fosse filha do porteiro aqui do jornal? Daí então, como diria a Marília Gabriela, hoje eu vou contar outra história buarquiana. Desta vez, com o pai da artista, o Chico Buarque. Foi assim.
Em 1972, estava eu morando no Rio e resolvemos escrever um musical juntos. Uma espécie de bang-bang caboclo. Trocamos as idéias, pesamos as possibilidades diante de vários chopes e intermináveis caipirinhas. Ia ser um sucesso.
O começo do trabalho foi naquela base ultraprofissional de horários e locais. A coisa parecia que ia sair, mas até hoje é um pensamento arquivado esperando novas mesas e disponibilidades outras. O que acontece é que surgiu uma amizade mais para copos e jogos do Fluminense do que para as teclas e cordas de violão.
Mas a história que eu queria contar é que, um dia, a gente estava no Final do Leblon, um boteco que fica onde o nome indica. O boteco cheio e várias garrafas vazias. A gente discutindo, eu pedia:
—Tem uma coisa. Quanto à parte das músicas, você se vira sozinho, que eu não entendo nada disso. E não adianta discutir.
O padre que me dava aula de música no Salesiano dava tanto coque na minha cabeça que bloqueou tudo. Eu não tenho noção do que é um tom abaixo ou acima, fá ou sol. Não tenha dó. Nem de uma letrinha simples com métrica eu tenho noção. Mas o Chico insistia comigo que ele também não sabia nada de música (imaginem!) e que nós tínhamos que trabalhar juntos.
—Alguma coisa a gente sempre sabe.
—Eu, não.
—Canta alguma coisa para mim. Parabéns a Você, por exemplo.
—Eu desafino. Quando eu canto Parabéns a Você em festinha de crianças, todas elas olham para trás.
—Canta, pô!
Foi aí que eu comecei a cantar o Parabéns, ali na mesinha do Final do Leblon, parecia uma bicha apaixonada pelo ídolo, com o Chico me olhando atentamente, olho no olho, atenção nos graves e nos agudos. Cantei a música toda, inclusive a segunda parte que a minha memória foi buscar não sei onde. O bar foi ficando em silêncio sem que a gente percebesse.
Quando terminei, umas 30 pessoas se levantaram e aplaudiram. Não a minha voz, mas o Chico, que, para eles, aniversariava. Alguns, menos tímidos, foram até a mesa e o cumprimentaram com abraços e tudo. Teve uma menina que deu um boné para ele. O dono do bar, o seu Manuel, disse que a rodada era por conta da casa. Desconhecidos sentaram-se na nossa mesa.
Chico, distante pelo menos uns seis meses do seu aniversário, gostou da brincadeira e telefonou para a Marieta convidando-a para a festa. Ligou para alguns amigos da redondeza. O bar foi enchendo, a notícia correu pelo Leblon, as pessoas chegando. Alguém providenciou um bolo, o trânsito quase parou. A festa foi até de madrugada. E eu cantei a noite toda, como nunca.
No dia seguinte, aliás, o Zózimo Barroso do Amaral deu até uma notinha na coluna dele. Mas nem me citou, o ingrato.

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 Mario Prata

UM PUBLICITÁRIO NO DIVÃ (UMA PIADA)

Júlio estava beirando os cinquenta. De uma geração contrária aos princípios freudianos, vinha sofrendo dos males do espírito. Mas agora estava demais. Era muita tensão, muita criação. Não dormia mais. Só pensava naquela cerveja que tinha que lançar. Sua vida estava se transformando num inferno. Pressão, tensão, angústia, melancolia, nervos à flor da pele. Irritado com a mulher e as filhas. Tava um chato.
Foi um amigo mais chegado que o convenceu a ir a um psicanalista. Não dói, dizia. E você não vai ser obrigado a falar nada que não queira. Foram alguns meses buzinando na cabeça do Júlio.
- Está bem. Vou uma vez. Mas se ele começar a falar na minha amamentação, na tesão pela minha mãe, que eu tinha que ter dado quando era moleque, eu me mando.
- Imagina. Isso é uma visão antiga. Hoje em dia nem divã tem mais.
Tinha divã. Mas ele se recusou. Sentou-se na cadeira na frente do sujeito. E começou a falar, a princípio desconfiado, mas depois foi se soltando.
- É isso que você precisa. Relaxar. Esquecer um pouco o seu trabalho. Dedicar-se mais ao lazer, à família, viajar. Esquecer um pouco o trânsito, o medo da Aids, a concorrência, os contatos, ler as revistas e não, os anúncios das revistas. Relaxar, está me entendendo? Relaxar! Não se alterar com pouco, não ficar ansioso, não perder as estribeiras, para falar um português bem claro.
- Mas como é que eu vou relaxar assim de uma hora para outra? Fico tenso e nervoso o dia inteiro.
- Por exemplo, aqui mesmo nesse prédio, no messanino, tem um piano-bar lindo. A essa hora, sete da noite, deve estar vazio. Tem um velhinho simpático no piano, que conhece todas aquelas músicas do seu tempo. Desça lá quando sair daqui, senta no balcão, peça um Manhatan, que é a especialidade deles. Mas não tome de um só gole e vá embora, não. Tome devagar. Vá sentindo o gostinho do cárpano, do Jack Daniel, passe a língua pela cerejinha. Devagar, como se o mundo não fosse acabar nunca. Fique meia hora neste único drinque. Você vai aprendendo a se controlar. Não pense em mais nada. Apenas beba.
Realmente o Monk estava vazio às sete e dez. Apenas um velhinho dos anos quarenta tocava algumas músicas de Glenn Miller no seu velho piano de calda. Um som bom, baixinho, realmente relaxante, pensou Julio. Foi para o balcão. Nenhum cliente, um garçom atencioso. Pediu a bebida. A bebida chegou. Ele ameaçou tomar num gole, só mas se lembrou da recomendação. Apenas molhou os lábios na bebida. Gostou. Sentiu o cárpano. Afastou o copo e ficou admirando a cor do drinque. Balançou a taça, ameaçou tomar um gole maior, mas se segurou. Afastou o copo. Estava, que maravilha, relaxando.
Foi quando ele viu o macaquinho. No canto do balcão a olhar desafiadoramente para ele. Não posso me abalar. Calma. Ele olhava o macaquinho. O macaquinho olhava para ele. Pegou a taça para um gole. O macaquinho veio andando, pelo balcão, na direção dele. Ele, calmo. Ao passar por cima da taça, o macaquinho abaixou e colocou o saco dentro do Manhatan do Julio. E seguiu o seu caminho parando na outra extremidade do balcão de jacarandá. Não posso perder a calma.
Não tinha ninguém perto para ele conversar, contar o que o macaquiunho tinha feito com ele.
Só o pianaista por perto. Foi até o velho pianista e, com a voz mais calma possível e pausada disse:
- Um macaquinho colocou o saco dentro do meu copo.
O velhinho interrompeu o Samba de Uma Nota Só, olhou para o Julio, simpático:
- Assovia o começo para ver se eu me lembro da melodia...

Fonte:Revista Meio & Mensagem 1995

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 Mario Prata

O CARTEIRO

“Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude chegar ao portão. Lendo o envelope bonito no seu sobrescrito eu reconheci a mesma caligrafia que me disse um dia: estou farto de ti. Porém, não tive a coragem de abrir a mensagem.  Porque, na incerteza, eu meditava e dizia: será de alegria ou será de tristeza? Quanta verdade tristonha a mentira risonha que uma carta nos traz. E,  assim pensando, rasguei tua carta e queimei para não sofrer mais”.
A última gravação da música acima (Cícero Nunes e Aldo Cabral) foi feita magistralmente pela sempre impecável Ná Ozzetti, em Show. E canção me veio à cabeça com força total ao assistir a um curta metragem do Jacques Tati, de 1947, chamado Escola de Carteiros. Tem no DVD Curtindo Jacques Tati. Recomendo principalmente para quem nunca ouviu falar nele.
Mas vendo o Mon Oncle entregando cartas e ouvindo a Ná, comecei a pensar no carteiro. Hoje em dia o carteiro virou um mala. Um mala direto. Fico fora de São Paulo e quando volto, depois de um mês, tem um metro de correspondência. Avisos bancários, cobranças, ofertas, convites, convites, convites, mala direta direto. Carta, nenhuma. Carta que eu digo é aquilo escrito à mão, de alguém para alguém, contando as novidades, declarando seu amor, ou encerrando uma aventura. Já não se fazem mais cartas como antigamente. O fax e depois os mails acabaram com a carta.
Veja aquela letra: “quando o carteiro chegou e meu nome gritou”. Existia uma relação entre o carteiro e o destinatário (que palavra!). Você deve ter lido ou assistido O Carteiro e o Poeta. Aquilo sim, eram um poeta e um carteiro.
O carteiro fazia parte do nosso imaginário, das nossas esperanças, dos nossos amores. Escrevia-se cartas. Você pegava aquele papel de carta e sabia que ele foi manuseado lá longe, noutra cidade, noutro país por aquelas mãos que o redigiram. E não que digitaram. Era comum algumas cartas chegarem com uma manchas. Lágrimas que pingavam por emoção ou dor.
E hoje o carteiro é um mala. Oitenta por cento do que ele trás e jogado imediatamente no lixo mais próximo. Cada convite que jogo no lixo, sinto pena do carteiro. Ele caminhou quadras e quadras para me levar aquilo. Mas nada daquilo me emociona. Não recebo mais do carteiro uma comovente notícia de morte. Muito menos uma carta de amor.
Mais malas ainda se tornam os carteiros na época de natal, com aqueles cartões horrorosos de boas festas e um ano de paz e prosperidade. Desejar isso nos dias de hoje é uma gozação: no mundo e no Brasil. Deviam escrever: que em 2003 você segure todas. E o pior é o “junto aos seus”. Eu nunca sei quem são os meus.
Em época de eleições o carteiro fica insuportável com aqueles santinhos todos de deputados e vereadores. O mais engraçado é aquilo se chamar santinho e quando você olha para a cara do remetente (que palavra!), de santo não tem picas.
E, com a recente morte do Carlito Maia, o carteiro ficou ainda mais dispensável. Não nos traz mais cartas com flores no aniversário nem nos lançamentos de livros.
O carteiro tende a desaparecer totalmente da fase da terra dentro de – no máximo - 10 anos. Tudo chegará pelo computador. Tudo! Até as malas diretas do malas cheios de indiretas.
Ninguém mais escreve cartas ao coronel nem ao soldado raso. Ninguém mais tem coragem de escrever num papel o seu amor eterno (ou não) e assinar em baixo. E deixar duas gotas paralelas de lágrimas carimbarem a verdade no papel.
O carteiro está morrendo e com ele muito, mas muito mesmo de um outro mundo. De um mundo mais romântico, é claro. Onde a gente ficava no portão esperando pelo personagem, ansioso, apreensivo, tenso. E, depois de abrir a carta, sorrir ou chorar. É, a emoção não nos chega mais pelas mãos do carteiro e do porteiro.
Como já dizia o poeta lá de cima, “quanta verdade tristonha a mentira risonha que uma carta nos traz”. É Neruda, já não se fazem mais carteiros e nem poetas como na sua época.

Fonte: Jornal o Estado de S.Paulo (12/02/03)

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 Mario Prata

FILHO NÃO ACABA, NÃO

Deu vontade de ver o Brasil dar uma goleada no Peru. E convidei uma professora austríaca que está no Brasil fazendo uma tese de doutoramento sobre os nossos cronistas. Andou lendo o Nélson Rodrigues, queria ver um jogo. Comigo mesmo.
Fui educado, fino e caro: consegui ingressos de R$ 50. Os mais caros. No melhor lugar, avisei a Barbara. "R$ 50? Trinta por cento de um salário mínimo?" E o ingresso impressionava qualquer primeiro mundo. Uma cartela cheia de efeitos e, no meio, encaixadinho, o ingresso que parecia um cartão de crédito. E escrito lá: Cadeira Superior. Mais do que isso: Cadeira Superior Especial. Coisa de luxo. E ela me fez a primeira pergunta:
- Não é numerado? A cadeira não tem número?
Tive de dar a explicação: antigamente era. Mas, como ninguém respeitava a numeração, deixou de ser. Ou seja, como a lei era desrespeitada, em vez de fazerem valer a lei, tiraram a lei. Mas fica tranqüila, é Cadeira Especial.
Eu havia lavado o carro. E estava bem vestido, porque depois do jogo, lá mesmo, no Morumbi, tinha o aniversário do meu primo, o Hugo. Eu disse que havia lavado o carro, porque você não pode imaginar o estado em que ele ficou logo depois. Sim, quanto mais você se aproxima do estádio mais elementos pulam em cima do seu carro, tentando te vender ingressos (por três vezes o valor) ou querendo te garantir uma vaga logo ali por aquele preço que você sabe. Foi quando ela fez a segunda pergunta, diante da horda de hunos:
- Mas não tem policiamento?
- Tinha, mas essa turma foi ficando maior que a dos policiais, então tiraram.
Aí já não valia mais mão ou contramão. A única mão que valia era a do cara no seu vidro. Travei tudo. Olhei para ela e achei que ela estava pensando na morte.
Depois de estacionar (vou pular esta parte, porque não temos espaço) chega-se em frente do estádio. No ingresso estava escrito portão 5. Azul. Mais ou menos 10 mil pessoas apertadas perguntavam entre si: aqui é azul ou laranja? Ninguém para responder. Ninguém! Para facilitar as coisas, cinco policiais montados a cavalo tentavam colocar ordem na coisa. Cocô para todo lado. Dizem que aquela fila é a azul. Não, aquela é a laranja. Tem uma cerca, não pode pular. Rodamos, rodamos e achamos o portão 5. O número estava escrito bem pequeno.
Entramos. Catraca eletrônica, modernérrima. Aí pergunto, todo cheio de orgulho e riqueza:
- Onde é a Cadeira Especial?
- Daqui até lá.
Daqui até lá, era o lado direito inteiro do estádio. Tudo ali era Cadeira Especial. Nos sentamos lá em cima, na penúltima fila. Aos nossos pés uma poça d'água completa. A fileira inteira molhada. Água pra valer. Não, não havia chovido naquela noite. A moça estava de sandália... Arregaçou a calça como se nada estivesse acontecendo.
As pessoas que iam chegando, pediam licença, passavam por cima da gente, pisavam nas nossas cadeiras e desciam. Pisavam com os pés molhados, é claro. O líquido parecia ser água. Foi quando ela fez a terceira pergunta:
- Não tem corredor, para as pessoas descerem?
Antes de eu tentar explicar que antigamente tinha, ela fez a quarta pergunta:
- Por que o jogo não começa às 8 da noite? Nunca vi um esporte começar às 10 horas.
Ia falar na televisão, na novela das 8. Mas ela não ia entender. Ia fazer muita pergunta. Como explicar para ela que é para os torcedores ficarem enchendo a cara no bar das 6 até as 10 da noite, esperando a novela acabar? Que não vendem bebida alcoólica lá dentro porque todo mundo já entra de cara cheia? Happy hour de torcedor brasileiro é coisa séria, pensei olhando para os olhos azuis dela, pensando no Mozart, em Salzburg. Mas logo voltei ao Morumbi.
Quando ia começar o jogo, ela me perguntou onde era o banheiro.
- Melhor, não. Em último caso, voltamos para casa.
- Non entender.
Como se ela estivesse entendendo alguma coisa até ali. E me fez mais uma pergunta complicada:
Queria saber por que é que entre o alambrado e o gramado tinha quase cem metros de distância. Por que a arquibancada era longe do campo.
É que antigamente...
Deixa pra lá.
Saímos do estádio à meia-noite imundos, suados e apertados para fazer um inocente xixi. O carro, uma impressão digital só.
Isso tudo durou quatro horas. E ela não acreditou que esteve no melhor estádio de futebol de São Paulo.
Entendeu, Hugo, por que não fomos ao seu aniversário? Soube que tinha até peru. Parabéns, cara!!!

Fonte: Jornal o Estado de S.Paulo (18/04/01)
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 Mario Prata

CURSO DE INGLÊS PARA PORTUGUESES

RECEBO, de Lisboa, da minha boa amiga e cantora Iírica Luiza Sawaya, um bilhete com um dicionário hilário, desta vez escrito pelos próprios portugueses. Diz Luiza: "Envio esta toalha do Movies Café (ali no novo Saldanha. Ficou excelente) para você saborear o nascente senso de humor português. Estão a melhoraire."
Portanto o que segue é coisa de português mesmo.
''Facto: o inglês é a Iíngua mais usada no cinema. Outro facto: poucos portugueses sabem falar bem inglês. Mais um facto: o Movies interessa-se muito por Iínguas. Conseqüência: tomem lá suas lições de inglês.

Can—Subs. Para se dirigir a uma pessoa. Can vem lá?

Can't—Adj. Muito usado no verão. Estava um dia can't e abafado.

Year—Subs. Acto ou ação de partir. Tive que year emborar

Beat—Verb. Expressão muito usada no norte. Beat ontem na festa.

Eye—Subs. Expressão de indignação. Eye que assim não pode ser.

Feel—Verb. Pequena corda. Feel dental.

Ice—Subs. Expressão de desejo. Ice ela quisesse...

Vase—Subs. Expressão de ordenação. Um de cada vase, por favor!

So so—Subs. Personagem bíblica. So so e Dalila.

Dark — Verb. Expressão popular. Mais vale dark receber.

Dick—Subs. Expressão amorosa. Dick vale a pena viver sem ti!

Read—Subs. Muito usada na pesca. Para mim, tudo o que vem à read, é peixe.

Jack—Subs. Acto de acomodação. Jack estamos aqui, vamos comer.

Floor—Subs. Expressão de rejeição. Ele não é floor que se cheire.

Loose—Subs. Acto de desligar. Fecha a loose, que já é tarde.

Light—Subs. Substância nutritiva. Olhe, eu queria um copo de light, se faz favor.

Say—Verb. Dúvida filosófica. Eu só say que nada say.

Machine—Verb. Acto de pensar. Machine só, fui aumentado!

Mad—Verb. Máxima antiga. Um homem não se mad aos palmos.

Suck—Subs. Muito popular no Brasil. Não enche o suck!

Rave — Subs. Expressão de indignação. Irritou-se tanto que fiquei cheio de rave!

Hype—Subs. Ingrediente de cozinha. Não te esqueças de juntar hype na sopa.

Cool— Subs. Parte do corpo humano. Se não te calas, levas um pontapé no cool!

Dig—Verb. Tomar uma atitude. Eu geralmente dig tudo o que tenho para dizer.

Crash —Verb. Expressão de ameaça. Crash e aparece!

Movies—Verb. Expressão de movimento. Pára! E não te movies!

Steve—Verb. Eu steve para ir, mas não fui. Estava a chuveire."

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo 11/05/94

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Luis Fernando Verissimo

O ANALISTA DE BAGÉ

 Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vem de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.

— O senhor quer que eu deite logo no divã?

— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

— Certo, certo. Eu...

— Aceita um mate?

— Um quê? Ah, não. Obrigado.

— Pos desembucha.

— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.

— Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe

— Outro.

— Outro?

— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.

— E o senhor acha...

— Eu acho uma pôca vergonha.

— Mas...

— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!
~//~
Contam que outra vez um casal pediu para consultar, juntos, o analista de Bagé. Ele, a princípio, não achou muito ortodoxo.

— Quem gosta de aglomeramento é mosca em bicheira... Mas acabou concordando.

— Se abanquem, se abanquem no más. Mas que parelha buenacha, tchê! . Qual é o causo?

— Bem — disse o home — é que nós tivemos um desentendimento...

— Mas tu também é um bagual. Tu não sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?

— Eu não meti a espora. Não é, meu bem?

— Não fala comigo!

— Mas essa aí tá mais nervosa que gato em dia de faxina.

— Ela tem um problema de carência afetiva...

— Eu não sou de muita frescura. Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.

— Nós estamos justamente atravessando uma crise de relacionamento porque ela tem procurado experiências extraconjugais e...

— Epa. Opa. Quer dizer que a negra velha é que nem luva de maquinista? Tão folgada que qualquer um bota a mão?

— Nós somos pessoas modernas. Ela está tentando encontrar o verdadeiro eu, entende?

— Ela tá procurando o verdadeiro tu nos outros?

— O verdadeiro eu, não. O verdadeiro eu dela.

— Mas isto tá ficando mais enrolado que lingüiça de venda. Te deita no pelego.

— Eu?

— Ela. Tu espera na salinha.

Fonte:releituras.com.br-Texto extraído do livro "O gigolô das palavras", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 78.

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Mario Prata
  NA  PRACINHA

Lembra no interior, de noite, na pracinha? O footing? Os rapazes num círculo maior, observando, as meninas rodando por dentro. Pouco a pouco os contatos, a paquera, o namoro.
Pois a pracinha voltou. E voltou toda cibernética, quem diria.
Eu sempre achei esse negócio de chat, da Internet, muito chato. Não apenas pela facilidade etimológica do trocadilho. Mas entrar lá, aquelas pessoas desconhecidas. Podem ser agressivas. Falta do que fazer. Perda de tempo.
Até que descobri que ir a um chat é exatamente igual a ir à pracinha da cidade. Sem tirar nem pôr. Ou seja, é bom. E pior: vicia.
Mas tem os seus macetes. Como tinha ir à pracinha no meu tempo de adolescente. Tinha o jeitão de parar, de olhar, o momento certo do olhar, do ataque. No chat é exatamente igual.
Você chega como quem chega à pracinha. Ou seja, como quem não quer nada.
Como se você tivesse caído ali por acaso.
E você fica olhando, observando quem está ali na praça. Você não vê as pessoas. Você lê as pessoas. É mais ou menos parecido. Aquela garota com aquele decote convidativo podia te pegar do mesmo jeito que uma vírgula bem colocada ou uma subliminar interrogação num chat pode chamar a sua atenção.
Um adjetivo bem usado pode parecer um requebro gostoso, tentador. De repente, um simples três pontinhos pode ter o mesmo significado de um lenço que cai aos seus pés.
Portanto, chega-se, como nas pracinhas, na moita. Chega ali de anônimo. E fica observando o movimento. Você ainda não precisa falar. Você pode "sorrir para" alguém da praça. E se, na volta seguinte, ela também "sorrir para" você, a coisa tá boa. *r*.
Aí você começa a seguir a mina. Passa por uma coisa assim ó, :). Significa q tá td bem. Vê com quem ela anda conversando e, principalmente, qual é o papo. Mas fique atento porque se ela sumir sem sair da pracinha é porque ela está com alguém no "reservado". E lá no "reservadamente" jamais saberemos o que rola entre eles.
Mas se ela passar de novo e "flertar com" você, já é meio caminho andado.
Fique atento para ver se ela não anda sorrindo para mais ninguém na praça.
Pronto, é a hora de "paquerar com". Não tenha pressa, ela está ali. Chegue devagar e "murmure para" ela um oi.
Se ela responder, vá com calma. Não é hora ainda de ir para o reservado.
"Pergunta para" ela e "responda para" ela algumas coisas. Dialogue.
Passem a conversar só os dois. "Ignorar" todos os demais. Fique ali, dando passos pela pracinha. Veja como ela escreve aki. Sinta como ela diz naum (e não é o Alves de Souza) no lugar de não.
E, se por acaso ela perguntar:
- Quer tc comigo?
Não vá pensando logo em sacanagem. Tá blz, mas calma. O q ela quer é teclar com você.
E quando diz q qr tc com você, e diz isso "sorrindo para" você, é pq já tá no pto. Pode levar para o reservado.
O reservado é bom pq ninguém sabe o q está rolando entre você e a mina e a gente vê tudo q tá rolando na pracinha. A gente continua lendo os outros.
Mas ninguém nos lê. Mas pode ter certeza q se você ficar muito tempo reservadamente, lá na pracinha vão começar as fofocas: alguém logo vai perceber q você não está ali. Nem ela. E aí começa a tricotagem. Vai todo mundo para outros reservados, comentar sobre o seu reservado.
É hora de voltar. Volte com calma, sem comer nenhum plural, com os gerúndios nos lugares. Acerta as vírgulas e as exclamações da moça para não darem bandeira.
Ajeite o cabelo, limpe o batom da gola da camisa e vai dormir sonhando com uma tal de Flavinha, uma Frau, uma Liliquinha, uma Beezinha, uma Carmina, uma Lena, uma Vera, uma Christie Angel, uma Crisbonna, uma Krika, uma Beth, uma Lubru, uma Ingrid, uma Marina, uma Marcela, uma Carol, uma Catarina, uma Larissa, uma Camille, uma Dra Bia, umas mulheres MisTriosas que deveras esviveram aki c/você.
Bjs e abs.

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo (19/07/00) 
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 Mario Prata
MAS SERÁ O BENEDITO ?

Estou lançando hoje um livro chamado "Mas Será o Benedito?", uma coletânea com 419 expressões, ditos populares e provérbios brasileiros. Como cada autor ou filólogo tem uma explicação diferente para cada um delas, resolvi inventar as origens por minha conta. Só da letra "A", tirei estes  sete (conta de mentiroso) exemplos. Mas não leve a sério. É tudo inventado.
À boca pequena - O Boca Pequena era um barzinho freqüentado por membros da Academia Brasileira de Letras, desde a sua fundação. Era ali, tomando vinho do Porto, depois do famoso chá das cinco, que os imortais discutiam "à boca pequena" os nomes dos futuros integrantes da Casa de Machado de Assis. Seu proprietário era um português chamado Nuno Vasco, vizinho de infância de Machado no bairro do Juramento. Vide "Anais da Academia - Tomo I", de Sousa Bandeira. Portanto, "à boca pequena", surgiu ali. Hoje, no local ergue-se uma Lojas Arapuã.
A fé move montanhas - Na verdade a palavra inicial não era "fé" e sim as iniciais de "Federal Enterprise Dynamite", a FED, contratada pelo governo português para dinamitar montanhas em Vila Rica (hoje Ouro Preto) na época do ciclo do ouro nas Minas Gerais. E, pelo jeito, a FED movia mesmo montanhas. Dizem até que o ex-presidente Geisel seria descendente do primeiro diretor da FED, sir Washington W. Geisel.
A mentira tem pernas curtas - Essa expressão nos vem de Paris, no final do século passado. Henri de Toulouse-Lautrec, pintor francês, era famoso pelas histórias que contava nos bares parisienses de Pigalle, entre uma litografia e outra. Dizem as resenhas da época, que mentia tão bem quanto pintava cartazes dos shows da época. Como todos sabem, Lautrec tinha um defeito físico. Tinha as pernas curtas.
Adorar o próprio umbigo - Adão e Eva, evidentemente não tinham umbigo, por motivos óbvios. Já Caim e Abel tinham. Consta em edições paralelas à Bíblia (edições em aramaico, ainda não disponíveis no Brasil), que Eva (a primeira Jocasta), que sempre sonhou em ter o próprio umbigo, adorava o umbigo de Abel, despertando ciúmes edipianos e doentios em Caim. O resto da história você sabe: foi aquela tragédia.
Amarrar a cara - A República francesa foi proclamada em setembro de 1792. Instituiu-se um Conselho Executivo como governo, formado por pequenos burgueses, mas dependia das decisões da Convenção para implantar uma política definida. O rei Luís XVI foi julgado e condenado. Em 21 janeiro de 1793 foi decapitado na guilhotina. Mas pediu que seu rosto fosse amarrado para não ver a cerimônia. Foi para provar que estava zangado e não concordava com aquilo. Províncias francesas sublevaram-se contra o governo central girondino e exércitos estrangeiros invadiram a França, todos com a cara amarrada, novo símbolo dos rebeldes. Talvez venha daí os nossos jovens "caras pintadas"
Ao do ouvido - Ouvido  não tem , é claro. Mas Ovídio, o grande poeta, tinha. Não tinha, como era tarado por pés, como se verá a seguir. Na verdade, a expressão incial era "ao de Ovídio". E tem sua explicação. Como todos sabem, Ovídio,  homossexual e pedófilo, tinha uma escolinha de poesia para os jovens adolescentes e ficava a segredar e a falar baixinho com eles depois das aulas noturnas. Logo os pais se rebelaram com aquela libertinagem dos seus filhos ficarem sempre "ao de Ovídio". No que Ovídio respondia:
- Quidquid tentabam dicere versus erat. (ou seja: tudo o que tentava dizer, era versos)
Aquela que matou o guarda - Engana-se quem pensa que "aquela que matou o guarda" foi a cachaça. Tratava-se de uma mulher que trabalhava para D. João VI e se chamava Canjebrina, que como informam os dicionários, significa pinga, cachaça. Ela teria matado um dos principais guardas da corte do Rei. O guarda era seu marido e estaria de caso com dona Carlota Joaquina. Portanto, teria sido a Canjebrina que teria matado o guarda. Nunca nada ficou provado. Mas está no livro "Inconfidências da Real Família no Brasil", de Alberto Campos de Moraes. A partir daí, canjebrina virou mais um dos sinônimos da cachaça.

Fonte: O Estado de São Paulo (19/08/98)
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Mario Prata

O DIA DE LEVAR O COMPUTADOR AO MÉDICO

 Se você tem filho e computador sabe que eles são muito parecidos: ambos são teimosos e só fazem o que querem. Nasceram daquele jeito, com aquele ritmo, com aquela cara. E a gente ama os dois. Não consegue mais viver sem eles. Não consegue imaginar como viveu tanto anos sem os dois.
 
Mas eles se parecem mesmo um com outro é quando adoecem.

Você nota que algo não está bem. Primeiro mostra ao amigo. O amigo examina e acha melhor chamar um técnico (médico). Vem o médico, perdão, vem o técnico, examina, aperta aqui aperta ali, olha atrás. E a gente ali ao lado aflito, sem entender direito o que ele está a fazer.
- É grave?
- Melhor levar para a oficina (consultório).
- Então é grave?
- Preciso fazer um exame mais detalhado.
Aí ele pega o nosso filhlo no colo, coloca deitado no banco de trás do carro e lá vamos nós para o exame mais detalhado.
- Pode ser que esteja com um virus!
- Virus???
- Virus.
Chega no consultório, a gente senta na sala de espera e ele entra com ele lá para dentro. Somem atrás de uma porta cinza. Uma espécie de enfermeira faz a minha ficha e pede os dados dele. Ali, na sala de espera, outros pais esperando diagnóstico mais precisos.
- Quantos anos ele tem?
- Quatro. E nunca teve nenhum problema...
Já se passou mais de meia hora e o rapaz não volta. Começo a ficar preocupado. Será que vai ser preciso operar? Quanto vai custar esta visita? E se ele morrer? Começo a suar frio. Uma gorda ao meu lado me consola.
- É a terceira vez que venho aqui... Eles são muito competentes.
Depois de uma hora o homem volta. Sem ele. Bate a mão no meu ombro, como a me consolar. Balança a cabeça negativamente. Eu espero pelo pior.
- E então, doutor?
- Ele vai precisar passar uns dias aqui (internado).
- Localizou o virus?
- É um virus novo, nunca tinha visto nada igual.
- Mas há perigo de morte, quer dizer, ele vai ficar bom?
- Tem que ficar uns dias em observação. Talvez tenhamos que trocar uma placa. Fazer uma espécie de transplante.
Aí ele me dá aquelas explicações de médico que eu nunca entendo muito bem. Me diz que precisa levar o meu filho para a Central onde têm médicos, perdão, técnicos com mais conhecimentos.
Pergunto se posso dar uma olhadinha nele antes de ir embora e ele nega veementemente. Ninguém pode entrar lá dentro.
- Por que? O virus pode pegar? Ele está tão mal assim?
- Está desmontado. O senhor não iria reconhecê-lo.
Imagino o meu filho com as entranhas todas de fora, respirando mal, mal conseguindo pronunciar um simples bit, soletrar um única palavra, digitar um tchau.
Não há mais nada a fazer.
Ele me dá uma receita num papel.
- Compre esta placa que nós mesmo aplicamos nele.
Saio para a rua levando apenas um fio, um cabo, que foi tudo que pude levar dele para casa. O cordão umbilical que me prendia a ele. E vou até uma farmácia comprar um Lexotan para me acalmar e me acostumar a ficar uns dias sem ele, coitado.

Fonte: Revista Urologia-19/09/98

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Mario Prata

CHATS E CHATOS PELA INTERNET

Tão novinha a Internet, tão moderninha e já tão cheia de chats e chatos. Chat, pra quem não sabe, é um lugar onde fica uma porção de chatos, todos com pseudônimos (homem diz que é mulher e mulher vira homem) a te perguntar: você está aí? Melhor dizer que não e só ficar lendo as bobagens lá entre eles. Porque se você diz que está, o mundo desaba em cima de você. Querem saber tudo, tudo. Vamos classificar as chatas feras.
Chato Fotográfico - O que manda fotografia. Não dele ou dela. Mas, normalmente, de mulheres nuas. Ou do Clinton com aquilo de fora. E são arquivos que demoram para entrar. Depois de horas, você descobre quem foi o chato e a gracinha dele. O pior é que ele manda para toda a turma dele (te incluindo) e vem o nome e endereço de todos eles, um por um, na sua tela. Pior ainda é que, com isso, o seu endereço vai para toda a turma dele.
Chato Piada - E o que manda piada, então? E o nível das piadas? Não sei bem por que, mas esse tipo de chato é especializado em mandar piadas arrasando com as mulheres. E não mandam só uma, não. O bom Chato Piada manda várias. E demonstram, além do mau gosto, um português horrível.
Tem a subdivisão do Chato Piada Ilustrada. Mandam piadas gráficas.
Outro dia um me mandou um alado órgão (que não devia sair da cabeça dele) que invadiu meus arquivos e ficava voando de um lado para o outro. Será que ele não tinha um lugar melhor que o meu computador para colocar o órgão dele (pequeno, por sinal)?
Chato Manifesto - Pelo amor de Deus, Maluf, Timor e Pinochet nunca mais! Aqui a chatice é maior porque eles mandam para centenas de pessoas de uma só vez. Digamos que dez desses que recebem mandem para mim, sem saber que eu já recebi. E assim a bronca com o Pinochet vai ficando cada vez maior nos meus arquivos. Mando tudo para o ministro inglês. Esse sim, coitado, deve estar com o seu saco de internauta muito cheio.
Chato Desconhecido - Surge, sabe-se lá de onde, e quer saber se eu sou eu mesmo. Minha filha, faço terapia há anos para saber se eu sou realmente eu. E vem você querendo saber, assim de cara? E tem mais: eu não tenho a menor idéia de quem você é. Nem eu. Quando é mulher, só de sacanagem, peço medida da cintura e foto escaneada. E tem umas gordinhas que mandam. Realmente, a solidão parece que está perdendo a briga na Internet. Você olha o horário que a mensagem foi mandada: segunda-feira, 5 da manhã.
Chato Quadradinho - É um pessoal que tem uns micros meio ruins, antigos, e te manda arquivos e só chegam quadradinhos. A gente faz um esforço danado para transformar aquilo em qualquer coisa legível e, logo que consegue, se arrepende. Os quadradinhos eram mais, muito mais inteligentes.
Chato Vendedor - Tem uma Chata Vendedora, por exemplo, que insiste, há meses, com lingerie. Pra cima (ou pra baixo) de mim. Não sei se está insinuando alguma coisa ou meu nome tá na lista dela por engano. Tem Chato Vendedor de tudo. Vendem até mulheres infláveis usadas, mal-amadas e mal lavadas.
Chato Oferecido - É um chato que se oferece. Diz o que ele sabe fazer (algo que nunca te interessa). Tem um que escreve a vida das pessoas e estava se oferecendo para escrever a minha. Será que ele sabe que eu vivo disso?
Chato Re: - Dizem que pega mal você receber um e-mail e não responder. Respondo, educadamente, a todos. Só que, acontecendo isso, a pessoa lá do outro lado (sei lá de que sexo, idade ou cidade) se sente íntima de mim. E retorna sempre com o Re:. E, se você não cortar logo o barato, ela acaba te visitando pessoalmente. A amizade digitada não acaba nunca. Basta o cara lá não ter o que fazer (e me parece que ninguém tem nada para fazer) que tem a brilhante idéia de te escrever.
Chato Antigo - São amigos e amigas da infância (coisa de 40 anos atrás) que descobrem o endereço da gente e mandam ver. E eu não me lembro quem é. Aí eles começam a explicar. Tudo louco. Teve um que jurava que serviu o Exército comigo (eu não servi com ele, nem com ninguém). Outra, já avó, que foi minha namorada em Ipauçu, local onde nunca estive.
Chato Eu - Devo declarar, terminando, que eu adoro mandar fotos e piadas, que sempre passo manifesto e abaixo-assinados para a frente, que sou um chato antigo, que às vezes fico quadradinho e, se fosse possível, venderia meus livros pela Internet.
Ou seja, somos todos uns adoráveis chatos. Prova disso é que te dou a cara para bater. Ou melhor, meu endereço: macprata T+, como diria a Manuela ou a Selma.

Fonte:O Estado de S.Paulo (02/12/98)

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Mario Prata
AS  ATENDENTES

Além de ser obrigado a ler aquelas letrinhas pequenas dos contratos de seguros de carro, você precisa fazer um curso para aprender como receber o dinheiro no caso de perda total, Perda total de tempo, eu quero dizer.
Antigamente, você ligava para a seguradora, falava com uma mocinha, dava o nome da sua apólice e a coisa rolava. Agora, não. Agora, tem as atendentes. O que é uma atendente? É uma mocinha, mistura de ser humano (sem nenhum sentimento) com robô, com a vozinha metalizada.
Você liga, atende uma voz gravada. Dá várias opções, parecidíssimas. Se for pra isso, disque 2, se for aquilo, disque 3, ser for isso, 4, aquilo, 6. Se não for nada daquilo aguarde por uma das nossas atendentes. Se você optar por aguardar uma das nossas atendentes, enquanto o faz, é possível ficar ouvindo por uma distante Joven Pan, o Wanderley da Silva convocando a seleção. Uma das nossas atendentes demora muito. Você desiste e liga novamente e, depois de ficar ouvindo por mais de meia hora uma musiquinha intragável, elas agradecem a sua ligação e dão todas aquelas opções. De novo. Você tem meio segundo para decidir-se entre a tecla 4, 6 ou 8 e cair onde você precisa.
Quando a atendente da tecla 6 atende, não é ela, ainda. Você vai ter mais três opções e as perguntas vão ficando mais difíceis. Bem, depois de vários entroncamentos, uma atendente, finalmente, te atende. Você explica o problema ela te dá um número que fica sendo o seu código e esse número é imenso, com barras e tracinhos. E te pede, a atendente, 24 horas. Quando ela desligar, você pode ter certeza que nunca mais na vida vai falar com aquela atendente. Nas próximas semanas você irá falar com, pelo menos, quinze atendentes diferentes. E, para cada uma, você tem de começar pela etapa zero. E elas, todas elas, vão sempre falar que dentro de 24 horas a coisa fica normal. Mas não fica.
- Dentro de 24 horas o dinheiro está depositado. Até as 5 da tarde de amanhã.
- Mas minha filha, agora são 10 da manhã. Até as 5 da tarde de amanhã são 31 horas. Por que vocês insistem nesse negócio de 24 horas?
Ela, toda, robotizada, ignora o seu texto:
- Dentro de 24 horas, senhor.
- Então é às 10 da manhã de amanhã.
- 24 horas, senhor. Até as 5 da tarde.
- Então são 31 horas.
- Não estou entendendo, senhor.
Aí você se lembra da Kátia, a primeira atendente, quase um mês atrás. A Kátia tinha entendido tudo. A Kátia, ou a Magali, ou a Esther, ou a Maria Emília, a Ruth, a Dagmar. Foram tantas. Foi para tantas que eu contei parte da minha vida e agora elas sumiram e me deixaram com a Rosaly com quem eu não tenho a menor intimidade. Para ela eu sou apenas um número. Um imenso número.
Claro que, depois das 31 horas eu ligo e falo com a Fabiana que não tem a menor idéia da odisséia que eu venho passando. A Fabiana muda o meu número e eu acho que vai dar caca. Logo agora que eu, finalmente, decorei.
Mais uma semana e fico sabendo que o cheque saiu. Mas onde está, eu pergunto? Aí, a tendente Selma diz para eu começar tudo de novo e teclar 5 depois de ouvir a Jovem Pan. Não entendo bem as opções oferecidas, resolvo esperar a atendente que, depois das Quatro Estações do Vivaldi, agora pela Eldorado, diz que não está a par do cheque. Tento, imploro, quero falar com a Selma, com a Rosely, com a Fabiana, com a Ruth, com a Dagmar, com qualquer uma daquelas antigas. Em vão. Ninguém conhece nenhuma Fabiana, nenhuma Dagmar. Meu nome é Valeria, senhor, em que posso lhe ajudar?
Resolvo falar com a gravação. Digo para ela: trabalho no Estadão, vou escrever uma crônica pedindo a cabeça de todas vocês. Mas a calma do outro lado me enlouquece:
- Aguarde 24 horas. Seu número agora é tal.
O número agora é menor, mas, em compensação, tem letras. Três. Olho em volta da minha mesa. A quantidade de papelzinho com números de telefones, senhas, códigos e fabianas é imenso.
Finalmente descubro onde está o cheque. que é 20% a menos do que o valor segurado. Ligo de novo. Agora é outro telefone. para esse tipo de reclamações. Com várias opções de teclas, com várias fabianas me aguardando, novos códigos, novas notícias pela Eldorado.
Não tenho mais dúvida. Contrato, eu, uma atendente. Pago um salário para ela. Minha atendente chama-se Arlete, como convém a uma atendente. Peço que ela me resolva o problema. Descubro que a Arlete é surda. Uma pessoa surda não pode receber um seguro hoje, no Brasil. Como falar e ouvir as atendentes?
Só há uma solução, mas é inviável. Comprar o banco com todas as suas atendentes mecânicas. Ligo para lá disposto a fazer a compra, custe o que custar. A máquina atende e lá vem a gravação: se o senhor quiser comprar à vista, tecle 2, se for à prestação, tecle 4. Se quiser negociar, tecle 6. Teclo 6, ouço o segundo tempo do jogo do Corinthians, tento explicar que sou amigo do Waltinho, mas a nova Fabiana não sabe quem é o Waltinho, não sabe que ele é dono do banco, não sabe de nada. Só sabe o meu número. E ninguém perguntou se eu havia me machucado na perda total.

Fonte: O Estado de S.Paulo (04/11/98)

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Mario Prata
 A BORRACHARIA

Tudo evolui no Brasil. Menos a borracharia e o Stédeli. Mas não vamos falar do último. Nos fixemos das borracharias. Já notou? São exatamente iguais às borracharias da nossa infância, quando íamos lá com nossos pais. Inclusive os borracheiros parecem ser os mesmos. Parecem feitos de borracha, não envelhecem.
Há algumas décadas não devem mais nascer garotos que dizem: vou ser borracheiro quando crescer. Para cada borracharia existem dois borracheiros. Um mais velho (que é para quem você vai pagar no final do serviço) e o mais jovem, que é quem pega duro.
Duvido que alguém já viu uma borracharia limpa. Para ser uma boa borracharia ela deve ser imunda. Não é suja, é imunda mesmo. Assim como os borracheiros. Eles não lavam as calças e as camisetas há séculos.
Não há lugar para se sentar. Jamais. Você tem que ficar em pé esperando o serviço. E acompanhando atentamente.
A coisa começa na porrada, literalmente. Um super-martelo e o cara bate pra valer no nosso pneu para tirar a câmera de ar e, com uma alavanca vai girando o pé com uma maestria invejável. E tira para fora aquela coisa mole, cinza, morta. E furada.
Todas as borracharias têm a sua banheira, é claro. Uma banheira que um dia – imagino – foi branca. Se você quer saber a cor de um burro quando foge, é aquela ali. Entre cinza e marrom. E a água onde vai ser enfiada a câmera de ar? Que cor é aquela? E onde foi que o sujeito arrumou a banheira? Comprou especialmente para aquele serviço, aquela serventia? Mas é eficiente. Logo vemos as bolhinhas de ar subindo pelo furo. O borracheiro coloca o dedo no furinho e te olha. Apenas olha. Todo mundo entende aquele olhar.
Neste momento eu pergunto: os pneus já existem há mais de cem anos. Ninguém se deu ao trabalho de inventar uma outra engenhoca para descobrir onde fica o furo?
Aí ele saiu pingando com a nossa câmera de ar pelo chão, notadamente nos nossos sapatos. Enxuga. Coloco numa máquina de tortura, passa uma cola e junto um pedacinho de borracha. Comprime aquilo. Chega a doer. Aquilo esquenta, sai fumacinha.
É o momento de olharmos as mulheres peladas (e já sujas) pelas paredes. Calendários dos anos 90 e até oitenta. Mocinhas que hoje já devem ser avós, ali, testemunhas discretas de nossos furos.
Tem também um jornal de esportes do dia por aqui, cheio de impressões digitais. Não dá mais para ler as notícias que ficam à direita e à esquerda da página. Sentar, nem pensar. Agora ele enche de novo a câmera. Mais do que a gente imagina. A impressão é que aquilo vai estourar no nosso rosto. Mas – incrível – não estoura.
Enfia lá dentro de novo. Enche pela terceira vez. Ao se ajeitar lá dentro, a borracha dá um inesperado estouro e se acomoda. Coloca o bico no lugar. Pega um aparelhinho e vê a pressão. Tudo isso muito rápido, com muita eficiência, sem cursar nenhuma faculdade. Mas você sente que o cara é competente, é pós-graduado.
É aí que ele pega o nosso estepe e balança a cabeça negativamente. Você entende, o estepe está mesmo pela hora da aposentadoria. Negocia ali na calçada enquanto coloca o pneu no lugar. Você acaba comprando outro estepe.
Mas só quando você chega em casa é que você percebe que também está todo sujo, apesar de não sentar e nem encostar em nada.
E pensa naqueles dois que te salvaram a vida. Admiro estes homens. São meus heróis. Ao contrário do Stédeli, eles não precisam evoluir. Pra que?

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo (28/04/2004)
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Mario Prata
  A  PÓS-MULHER

Esse negócio de dizer minha ex-mulher, ou a ex-mulher do fulano, acabou. Agora se diz minha pós-mulher. A invenção não é minha, muito menos as mulheres. Quem me soprou a inovação foi uma bela mulher de 52 anos, algumas vezes pós e que hoje, pasme!, dá aula para homens sobre o que é uma pós-mulher.
Claro que o surgimento da pós-mulher não elimina as ex-mulheres. Portanto nem todas as ex-mulheres tornam-se, automaticamente, pós-mulheres. Sim, porque tem ex-mulher que nasceu para ser ex-mulher o resto da vida. São aquelas que se dedicam a infernizar a vida do ex, a quem chamam – sempre! – de falecido. Muito embora o falecido seja obrigado a depositar uma grana viva todo mês para que ela se conserve na posição de ex.

Já a pós-mulher descobriu que ser ex a nivela a times de futebol e agências de publicidade. Fulana, ex-DPZ, ex-Salles, ex-W, ex-Julio Ribeiro, ex- Alcântara Machado. Já a pós, pode se orgulhar de ser uma pós-Ricardão.

O ex que a mulher carrega, a prende eternamente ao “falecido”. É como se ela vivesse grudada umbilicalmente a ele. Já a pós, dá a nítida impressão que já passou pelo sujeito. Que ela avançou na vida, que é, digamos, pós-graduada em homem. Um pós-mulher entende de homens como ninguém. Uma ex-mulher será definitivamente uma ex, dando a impressão que ela é quem foi a abandonada.

A ex-mulher leva embora a impressão de ter ficado apenas com as partes ruins do ex. Como se ela não tivesse aproveitado nada da convivência de alguns anos. A pós-mulher sai de cabeça erguida, ciente de ter sugado tudo do antigo amor e estar preparada para outras aventuras e vidas e amores.

A pós-mulher é independente, é claro. Ao contrário da ex que não consegue passar um dia sem imaginar maldades pra o coitado.

A pós se orgulha de ser pós. Mesmo que o marido tenha sido um fracasso com ela, ela pode se dizer é hoje ela é pós-ele, ou seja, superior, liberta. E, se o cara for legal, mais sentido ainda faz ser pós-dele. Aliás, as grandes pós-mulheres se orgulham de suas condições.

E tem mais: uma pós honesta e esperta é pós apenas uma vez na vida. Torna-se doutora, phd em homem, senhora de si e orgulho para os filhos.

Vou dar um exemplo de uma pós-mulher. A prefeita de São Paulo. Ela não é ex-mulher do Eduardo. Ela é pós-Eduardo. Cresceu com ele, aprendeu com ele e deve se orgulhar de ser pós-mulher dele. Já a Nicéia é ex-mulher do Pitta. Entendeu a diferença gritante entre uma ex e uma pós?

E eu, modesto, não tenho nenhuma ex. Tenho duas maravilhosas pós-mulheres.

E você, é ex ou pós?

Não se esqueça que a pós-mulher está acima de qualquer intriga com o antigo marido, costuma resolver problemas para ele e será para sempre não uma ex, mas uma eterna companheira. Uma mulher do pós-futuro.

Fonte: Revista Época 24/04/2004
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Mario Prata

Gestantes, Idosos, Deficientes Físicos


Sábado, supermercado supercheio. Entro para comprar três latinhas de cerveja. Dab, alemã, sem álcool.
Vou para a "fila de até dez", que está emperrada porque a mocinha está fechando uma temporada e, para passar para a outra mocinha, tem de dar baixa não sei em quê. Olho as filas normais. Imensas. Gente com dois carrinhos. Alfaces convivendo com milhares de papéis higiênicos. Lá no fundo, uma fila. Só um velhinho.
E a placa, em cima: gestantes, idosos, deficientes físicos. Dou uma piscada para a mocinha, a mocinha faz um beiço de tudo bem e eu fico ali. Só que chega uma idosa. E gorda e mal-humorada. No que eu me viro para dar o lugar a ela, ela ataca:
- Está grávida, é?
Evidentemente que ela estava a falar comigo e eu não estava grávido. Não tinha nenhum sintoma, até então. Mas a idosa era agressiva e eu resolvi não ceder o lugar para ela. E senti uma certa solidariedade do velhinho que lutava para enxergar o dinheiro dentro da carteira. Fiquei na minha. Mas a idosa estava a fim de briga:
- Idoso, meu senhor?
Eu, ainda calmo:
- Não senhora. Envelhecente.
Ela ficou pensando na palavra, mas acho que não captou o neologismo. Resolvi olhar as compras dela. Bananas. Milhares, milhões de bananas. E nada mais. E a revista Capricho.
E ela caprichou na terceira estocada:
- Por acaso o senhor é deficiente físico?
E olhou para as minhas pernas que estavam onde sempre estiveram, firmes. Fiz cara de triste:
- Sou. Infelizmente sou deficiente físico.
Ela se abalou:
- Desculpa, eu não havia percebido. É que sempre tem uns malandros, sabe? Uns espertinhos.
Eu fiquei quieto. Ela me cedeu a vez. Coloquei as cervejas em cima da mesa. Mas ela era curiosa:
- De nascença?
- É, sim senhora. Os dentes. Está vendo os meus dentes? São pra frente. Isso é uma deficiência física, não é?
Ela quase chamou o gerente:
- Engraçadinho...
E eu:
- E tem mais: meu fígado é deficiente físico. Está despedaçado. Meu pulmão, não é de hoje. Completamente deficiente. E se a senhora quiser, tenho uma unha encravada fisicamente deficiente.
- Não estou achando a menor graça!..
- E a vista? Está escrito na minha carteira de motorista: deficiente visual! Escuto pouco, minha senhora. Tenho essa deficiência também: auditiva.
- Você é um idiota. Vou falar com o gerente.
E partiu. Paguei a minha conta, estava saindo quando ela chega com o gerente. Ela já havia infernizado o rapazinho, que veio por educação, mesmo. O gerente:
- Por favor, o que está acontecendo?
Eu:
- É essa senhora, seu gerente. Além de idosa, deficiente física!
- Eu? Deficiente física?
- Claro, ou a senhora estava na fila porque é gestante? Que eu saiba, ninguém engravida com bananas. Ainda mais verdes e duras como essas!
Fomos todos para a delegacia. A mulher era delegada aposentada. Desacato à autoridade. Documentos. A mulher era mais jovem do que eu. Bingo! Tava era acabada mesmo! Porque, gestante, não era. Nem idosa.
Devia ser, como eu, deficiente física. E mental.
E o gerente, aproveitou:
- Tem só um detalhe, minha senhora. A senhora não pagou as bananas.
Te poupo do que ela disse para o rapazinho fazer com as bananas duras e verdes.

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo 23/02/00

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Mario Prata
QUEM ESCREVE AS BULAS ?

Quando me perguntam a profissão e eu digo que sou escritor, logo vem outra em cima: de que? De tudo, minha senhora. De tudo, menos de bula. Romance, cinema, teatro, televisão, poesia, ensaios, tudo-tudo, menos bula!
Uma vez, num barzinho uma gatinha me perguntou o que eu escrevia e disse que escrevia bula. Ela não deu a menor atenção para mim. Se dissesse que era cronista do Estadão talvez tivesse mais sucesso. Por que o preconceito contras as geniais bulas? Quando é bula papal todo mundo leva a sério, mesmo que seja para dizer que não se pode fazer amor sem a intenção da procriação (que palavra mais animal!)
Não que eu não aprecie as bulas. Pelo contrário. Adoro lê-las. E com atenção. E, sempre, depois de ler uma, já começo a sentir todas as "reações adversas".
Admiro, invejo esse colega que escreve bulas. Fico imaginando a cara dele, como deve ser a sua casa. Que papo tal escrivão deve levar com a mulher e com os vizinhos?
Tal remédio "é contra-indicado a pacientes sensíveis às benzodiazepinas e em pacientes portadores de miastenia gravis". Dá vontade de telefonar para o autor e perguntar como é que eu vou saber se sou sensível e portador?
Quanto ele ganha por bula? Será que ele leva os obrigatórios dez por cento de direitos autorais? Merecem, são gênios.
Jamais, numa peça de teatro, num roteiro de um filme ou mesmo numa simples crônica conseguiria a concisão seguinte: "é apresentado sob forma de uma solução isotônica (que lindo!) de cloreto de sódio, que não altera a fisiologia das células da mucosa nasal, em associação com cloreto de benzalcônio". Sabe o que é? O velho e inocente Rinosoro.
Vejam o texto seguinte e sintam na narrativa como o autor é sádico: "você poderá ter sonolência, fadiga transitória, sensação de inquietação, aumento de apetite, confusão acompanhada de desorientação e alucinações, estado de ansiedade, agitação, distúrbios do sono, mania, hipomania, agressividade, déficit de memória, bocejos, despersonalização, insônia, pesadelos, agravamento da depressão e concentração deficiente. Vertigens, delírios, tremores, distúrbios da fala, convulsões e ataxia". Pronto, tenho que ir ao dicionário ver o que é ataxia: "incapacidade de coordenação dos movimentos musculares voluntários e que pode fazer parte do quadro clínico de numerosas doenças do sistema nervoso". Já sentindo tudo descrito acima.
Quem mandou ler?
E quem tem úlcera pélvica não pode tomar remédio nenhum. Está condenado à morte? Toda bula odeia essa tal de úlcera pélvica. As demais úlceras entram como codjuvantes nos textos dos autores buláticos (tem a palavra no Aurélio).
E as gestantes (é como os buláticos chamam a grávida)? Elas não podem tomar nenhum remédio. Os nobres coleguinhas protegem a gravidez.
E se você tem "intolerância conhecida aos derivados pirazolônicos", te cuida, irmão. Deve dar em gente nascida em Pirassanunga e região.
Para todo remédio uma bula diferente, um estilo próprio, um jeito de colocar a vírgula diferente.
Tudo isso para dizer que outro dia, na cama, com a parceira amada, pego uma camisinha na mesinha e abro. Sabe o quer estava escrito lá dentro? "Parabéns! Você adquiriu o mais avançado e seguro preservativo do mercado brasileiro". Era uma bula. Escrita por algum conhecedor, é claro, dentro da caixinha da camisinha. Claro que me entusiasmei e segui a leitura deixando a amada de lado. Broxei, é claro. Mas, em compensação, fiquei sabendo que "o agente espermicida nonoxinol (essa não tem no Aurélio) 9 (logo o 9?) é contra as DSTs".
Depois dessa informação, aí sim, voltei para a alcova. Mas e a amada, onde estava?
E lembre-se sempre: todo medicamento deve ser mantido fora do alcance das crianças. E não tome remédio sem o conhecimento do seu médico. Pode ser perigoso para a sua saúde.
E pra cabeça!
Agora, falando sério. Admiro os escritores de bula. Assim como invejo os poetas. Talvez por nunca ter sido convidado (nem teria experiência) para escrever uma e nunca tenha conseguido escrever um poema. Sempre gostei de escrever as linhas até o final do parágrafo.
Para mim o poeta é um talentoso preguiçoso. Nunca chega ao final da linha. Já repararam?
Já o bulático, esse sim, é um esforçado poeta!

Jornal O Estado de São Paulo 30/03/97
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Mario Prata

Coisas da Internet


Uma:

Numa recente feira de informática (COMDEX), Bill Gates fez uma infeliz comparação da Indústria de computadores com a automobilística e declarou: 
- "Se a GM tivesse evoluído tecnologicamente tanto quanto a indústria de computadores evoluiu, estaríamos todos dirigindo carros que custariam 25 dólares e que fariam 1000 milhas por galão (algo como 420km/l)". 
A General Motors, respondendo "na bucha", divulgou o seguinte comentário a respeito desta declaração: 
SE A MICROSOFT FABRICASSE CARROS: 
1) Toda vez que eles repintassem as linhas das estradas você teria que comprar um carro novo.
2) Ocasionalmente, dirigindo a 100 Km/h, seu carro, de repente, morreria na auto-estrada sem nenhuma razão aparente, e você teria apenas que aceitar isso, religá-lo (desligar o carro, tirar a chave do contato, fechar o vidro, sair do carro, fechar e trancar a porta, abrir e entrar no carro, sentar-se ao banco, abrir o vidro, colocar a chave no contato e ligar) e seguir adiante. 
3) Ocasionalmente, a execução de uma manobra à esquerda, poderia fazer com que seu carro parasse e falhasse. Você teria então que reinstalar o motor! Por alguma estranha razão, você aceitaria isso também. 
4) A Apple faria um carro em parceria com a Sun, confiável, cinco vezes mais rápido e dez vezes mais fácil de dirigir. Mas apenas poderia rodar em 5% das estradas. 
5) Os indicadores luminosos de falta de óleo, gasolina e bateria seriam substituídos pôr um simples "Falha Geral ou Defeito Genérico". 
6) Os novos assentos obrigariam a todos terem o mesmo tamanho "default" de bumbum. 
7) Em um acidente, o sistema de airbag perguntaria: "Você tem certeza que quer usar o air bag?", antes de entrar em ação. 
8) No meio de uma descida pronunciada, quando você ligar o ar condicionado, o rádio e as luzes ao mesmo tempo, ao pisar o freio apareceria uma mensagem do tipo "Este Carro realizou uma operação ilegal e será desligado"!
9) Se desligar o seu Carro 98 utilizando a chave, sem antes ter desligado o radio ou o pisca-alerta, quando for ligá-lo novamente, ele iria checar todas as funções do carro durante meia hora, e ainda lhe daria uma bronca para não fazê-lo novamente.
10) A cada novo lançamento de carro, você teria que reaprender a dirigir, voltar à auto-escola e tirar uma nova carteira de motorista. 
11) Para DESLIGAR seu carro, você teria que apertar o botão "Iniciar"(????)
DUAS:
Um outro leitor, que eu não conheço me mandou uma brincadeira feita pelo site Kibe Loco, com o título Cada País tem a Realeza de Merece. Onde, depois de fotos dos reis da Inglaterra, Suécia e Dinamarca, mostra o Lula e sua esposa vestidos de caipiras.
Pois eu sou caipira, o leitor que me mandou também é. Nós somos caipiras. Qual é o problema?

Qual é a vantagem de ser primeiro mundo? Explorar os caipiras, invadir os países caipiras? Ora, vão se danar!

Fonte: Revista Época 14/07/2004

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Mario Prata
A importância do Diploma

Desde que os meus filhos se fizeram entender, coloquei na cabeça deles a importância de se ter um diploma no Brasil.
- Um homem sem diploma está perdido! Não é nada!

Eles foram crescendo e quando já poderiam entender a importância do diploma no Brasil, fui logo explicando.

- O diploma é importante, meu filho, porque se você for preso e tiver diploma, você não fica com os bandidos. Você fica numa sala especial, com geladeira, televisão e telefone, sozinho.

- Mesmo se for bandido?

- Mesmo se for bandido. Principalmente. Entendeu? Tendo um diploma - de qualquer coisa, de qualquer faculdade -, você tem privilégios. Quando você vê aquele bando de gente amassado dentro de uma cela de dois metros por dois metros, pode ter certeza que ali ninguém tem diploma. Quem mandou não estudar, não é mesmo? Se tivessem estudado, tirado seu diplominha, estariam numa boa.

- O Lalau tem diploma?

- Vários, meu filho. Vários.

- Mas em todo lugar do mundo é assim? É para isso que o diploma serve?

- Não, claro que não. Só no Brasil. Por isso que tem tanta faculdade sobrando por aí e ensinando porcaria. É para os caras serem presos com o mínimo de educação.

- Mas é só para isso que existe diploma no Brasil, pá?

- Claro que não. Serve de decoração também. Quanto maior, melhor fica na moldura e na parede. Se tiver aquela fitinha verde-e-amarela então é um luxo. Tem uns que têm um brasão bonito que só vendo. Tem gente que compra só para colocar na parede. Tem analfabeto que tem quatro, cinco diplomas.

Coleciona. Esses, se forem presos, vão ficar numa cobertura com vista para o mar.

Antes que alguém venha criticar minhas aulas aos meus filhos, vou logo avisando que o Antonio está quase terminando Ciências Sociais (estará apto à Presidência da República?), a Maria se forma no fim do ano em Moda e o Pedro estuda Arquitetura em Sevilha.

Quando a mim, quase consegui um. Larguei a faculdade de Economia na USP no último ano. Fui aluno do Delfim Neto, com muito orgulho. Mas as letras me pescaram com mais força. Confesso que em certa época da minha vida temia a prisão e pensava que não tinha o bendito do diploma. Mas passou.

Agora, falando sério (se é que é possível falar sério sobre diploma), eu gostaria muito de saber em que governo inventaram esse negócio de preso com diploma superior (superior!!!) ter regalias. Quando conto isso para um estrangeiro, ele não acredita. Sim, na cabeça deles, significa que o Judiciário brasileiro considera que o analfabeto tem de sofrer até o dia da morte (provavelmente assassinado dentro da prisão) e o diplomado não deve ser tão bandido assim, tão ladrão assim, tão corrupto assim, tão mentiroso assim, tão mau assim. Afinal, o cara estudou tanto...

Minha mãe tem diploma de normalista, mas nunca usou, porque nunca foi presa e se casou com o meu pai que tinha um de médico. Para tanto estudou uns 15 anos e trabalhou mais 40. Morreu no ano passado e o diploma dele está comigo. Nem sei bem por quê. Mas eu dizia que trabalhou 40 anos e, se eu contar a pensão que a minha mãe recebe hoje, você não vai acreditar.

Quem sabe um dia, um presidente sem diploma resolva olhar com mais carinho para todos os nossos aposentados com diploma que vivem quase na miséria...

Quem sabe?

Jornal O Estado de São Paulo (23/10/2002)
Obs: Esta coluna é publicada todas às sextas, excepcionalmente hoje. 

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Mario Prata

Filho é bom, mas dura muito

- Aproveita agora, porque depois que o seu filho nascer, você nunca mais vai ter sossego na vida. Você nunca mais vai dormir.
- Aproveita agora, que ele ainda não tem cólicas noturnas e ainda mama nas horas certas, porque depois a sua vida se transformará num verdadeiro inferno noturno.

- Aproveita agora, que os dentinhos dele não começaram a nascer e, quando isso acontecer, não vai ter Nenedent que acalme nem ele nem você.

- Aproveita agora, enquanto ele não engatinha, porque quando começar a arrasar a casa e a derrubar cadeiras e bibelôs e lustres e a comer jornal, só vai dar dor de cabeça.

- Aproveita agora, antes que ele comece a andar. Aí acaba o sossego. É o perigo dele bater a cabeça nas quinas das mesas, cair e meter a boca no chão, puxar panela no fogão. É um transtorno, filho andando. Ele correndo pela casa e você atrás.

- Aproveita agora, enquanto ele ainda não está na fase do "Por que?", porque depois você não vai conseguir ler nem jornal nem livro e nem ver televisão. E vai ter que explicar sempre o inexplicável

- Aproveita agora, que ele ainda não sabe ler e pedir o que quiser no restaurante. A única vantagem é você não precisar ficar traduzindo os filmes para ele.

- Aproveita agora, enquanto você programa as férias dele e ele ainda não ouviu falar na Disneyworld, porque você vai ter que pegar filas de duas horas e enfrentar montanhas russas no escuro.

- Aproveita agora, que ele ainda não é tarado por música, porque quando ele resolver ouvir "música" na sua casa - com ou sem os amigos -, até os vizinhos mais simpáticos irão reclamar. E não pense que ele vai tocar aquelas músicas do seu tempo, não.

- Aproveita agora, que ele ainda não entrou na adolescência. Pois, quando entrar, você nunca mais vai ter sossego, nunca mais vai dormir. Não se esqueça da íntima relação entre a palavra adolescência e adoecer. Não ele, mas sim você.

- Aproveita agora, que ele ainda não está nem fumando maconha e nem acabando com o seu uísque e aquela cervejinha que você tinha certeza que estava na geladeira te esperando do trabalho.

- Aproveite agora, que ele ainda não está andando em más companhias, porque você vai ter que aturar figuras saídas sabe-se lá de onde, com cabelos, brincos e tatuagens que você jamais poderia imaginar um dia conviver.

- Aproveita agora, que ele ainda não tomou nenhuma bomba e você ainda acha que ele é tudo que você sonhou, porque quando ele repetir de ano você fará - para você mesmo - a eterna pergunta: meu Deus, onde foi que eu errei?

- Aproveita agora, que ele ainda não decidiu que faculdade cursar, porque a escolha dele não vai nunca coincidir com os planos que você fazia para ele, quando ele ainda engatinhava.

- Aproveita agora, que ele ainda não entrou na faculdade, porque quando entrar vai pedir um carro para ele ou usar o seu.

- Aproveita agora, que ele ainda avisa quando vai dormir fora de casa. e você pode dormir sossegado e não pensar em ligações desagradáveis para a polícia, o hospital e, o pior de tudo, para o IML.

- Aproveita agora, que ele ainda não se casou, porque depois ele nunca mais vai te visitar, a não ser para pedir dinheiro emprestado.

- Aproveita agora, enquanto ele ainda não tem filhos, porque quando tiver é você quem vai tomar conta deles nos fins de semana. Seu sossego chegará ao fim, logo agora que você se aposentou.

- Aproveita agora, que ele ainda não se separou da primeira esposa, pois quando isso acontecer ele virá morar novamente na sua casa.

- Aproveita agora, que ele ainda te ajuda com um dinheirinho, porque a sua aposentadoria não dá para nada, pois a segunda mulher dele vai ser contra a ajuda.

- Aproveita agora, porque ele está pensando em te colocar num asilo de velhinhos.



PS - A frase do título é do Marcelo von Zuben, dentista brasileiro que mora em Portugal, pai do Murilo e da Úrsula.
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Mario Prata

Na Fila da Liberdade

É interessante notar as diferenças em filas, de um lugar para o outro. Em Florianópolis, por exemplo, tanto nas filas de banco como de supermercado, as pessoas ficam conversando, com calma, esperando. Mesmo no Rio de Janeiro, enfrenta-se uma fila com mais humor.
Em São Paulo, a fila é uma tortura. A fila é triste e interminável. Parece que, se fosse possível, a gente mataria aqueles quatro ou cinco que estão na nossa frente. E, se alguém conversa com alguém, o assunto é a própria fila. Uns chegam a dizer palavras chulas. Xingam, como se a culpa fosse da pobre mocinha que está do outro lado da fila, muito mais aflita que os filenses.
Pois foi numa dessas filas que o fato se deu.
Era uma bela fila, de umas dez pessoas. E em supermercado, com aqueles carrinhos lotados, a gente ali olhando a mocinha tirar latinha por latinha, rolo por rolo de papel higiênico, aquela coisa que não tem fim mesmo. E naquela fila tinha um garotinho de uns dez anos, que existe apenas uma palavra para definir a figurinha: um pentelho. Como muito bem define o Houaiss: “pessoa que exaspera com sua presença , que importuna, que não paz aos outros ”.
Pois ali estava o pentelhinho no auge de sua pentelhação. Quanto mais demorava, mais ele se aprimorava. E a mãe, ao lado, impassível. Chegou uma hora que o garoto começou a mexer nas compras dos outros. Tirar leite condensado de um carrinho e colocar no outro. Gritava, ria, dava piruetas. Era o reizinho da fila. E a mãe, não era com ela.
Na fila ao  lado (aquela de velhos , deficientes e grávidas), tinha um casal de velhinhos. Mas velhinhos mesmo , de mãos dadas. Ali , pelo oitenta anos . A velhinha, não aguentando mais a situação , resolveu tomar as dores de todos e foi falar com a mãe . Que ela desse um jeito no garoto , que ela tomasse uma providência . No que a mãe , de alto e bom tom :
-        Educo meu filho assim , minha senhora . Com liberdade , sem repressão . Meu filho é livre e feliz . É assim que se deve educar as crianças hoje em dia .
A velhinha ainda ameaçou dizer alguma coisa , mas se sentiu antiga , ultrapassada. Voltou para a sua fila . que não encontrou o seu marido , que havia sumido.
Não demorou muito e voltou o marido com um galão de água de cinco litros e, calmamente se aproximou da mãe do pentelho, abriu e entornou tudo na cabeça da mulher .
-        O que é isso , meu senhor ?
O velhinho colocou o vasilhame (que palavra antiga ) no seu carrinho e enquanto a mulher esbravejava e o pentelho morria de rir , disse bem alto :
-        Também fui educado com liberdade !!!
Foi ovacionado.
O Estado de São Paulo 16/06/2004

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Mario Prata
 
Perucas, Peruas e Botoques

Tem coisas que não dão certo. Já falei aqui sobre perucas. Ainda existem homens que insistem. E todos dizem a mesma coisa: o careca vira ponto de referência para localizar alguém em algum lugar. Numa fila, por exemplo. “Tá vendo aquele careca? O segundo, depois dele”. Aí o sujeito coloca uma peruca e a pessoa fala: “Tá vendo o cara de peruca? Dois depois dele”.
E agora as pessoas resolveram usar botoques (botox, em inglês). Eu digo pessoas e não apenas as mulheres porque tem muito marmanjo por aí esticando a pele, disfarçando as rugas, querendo ficar rapazinho de novo. E estão todos e todas, passando pelo mesmo constrangimento: “Tá vendo aquela de botoques? Duas depois dela”.

Além de trazer vários problema paralelos. Se uma pessoa coloca botoques na testa você nunca mais vai saber se ela está preocupada ou não. Aquilo fica uma superfície de marfim esmaltado que brilha, reluz. Preocupante. Tem umas que fazem ao lado dos lábios. Jamais saberemos se ela está sorrindo um chupando uma uva.

Mas o pior é que o efeito dura apenas seis meses. Isso significa que aquelas rugas que a mulher cultivou em sessenta anos de vida, dia a dia, agora surgem no espelho a cada seis meses, de cara. Quem é que ganha com isso, fora os aplicadores de botoques? Se envelhecer em 60 anos já não foi (fisicamente) tão agradável, imagine em seis meses, minha senhora.

Como sempre, invenção daquelas loiras americanas. O botoques que é bom para as americanas é bom para as brasileiras, já dizia alguém nos anos 60.

Só que aqui no Brasil botox é botoques e, se esticarmos os olhos até o dicionário, vamos deixar a nossa testa enrugada de preocupação.

Tá lá. Botoques: rolhas que vedam orifício no bojo de pipas, barris e tonéis; bujão, esquiça. E o que é esquiça? Rolha...

Quer mais? Botoques: pequenos orifícios circulares feitos na orelha da rês para marcá-la.

Mas botoques ainda podem ser muito mais coisas. Pode ser, por exemplo, o esporão do galo e até mesmo um indivíduo gordo e baixinho.

E sabe aquelas “peças arredondadas de madeira, pedra ou concha, usada como enfeite pelos botocudos e outros indígenas sul-americanos, que as introduzem em furos feitos no lábio inferior ou nos lóbulos das orelhas”? Também se chamam botoques...

E você, minha senhora, que está me lendo agora tentando franzir a testa e não está conseguindo, não fique chateada comigo. Por que, do alto dos meus quase sessenta, e também  meio enrugadinho, posso lhe garantir que ruga não é um bicho de sete cabeças. Nem de sete testas. Faz parte. Denotam no seu rosto – no mínimo – uma certa sabedoria, uma certa vida vivida, um conhecimento do mundo, um prazer de estar vivo.
Não vamos esconder nossas preocupações e muito menos nossos sorrisos. Vamos enfrentar a velhice que se aproxima de cara limpa. Sem metamorfoses.

Fonte: O Estado de São Paulo (30/06/2004)

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MARIO PRATA

A AMIGA SECRETA

A pizza existe desde César, portanto antes de Cristo. Quando Colombo voltou para a Europa e levou os tomates, era tudo o que faltava. E, com as pizzas, vieram as pizzarias.
Tenho um amigo, o Daniel Funtes, que afirma categoricamente que as pizzarias foram criadas com o único objetivo de ali se realizarem as festa de amigos secretos. Novembro e dezembro e as pizzarias pululam de presentes, abraços e discursos completamente etilizados.
Os amigos secretos também são antigos. Dizem que Judas era o amigo secreto de Jesus na famosa ceia de confraternização. Não se sabe se rolou pizza, além do vinho e do pão. Provavelmente sim.
E agora é a época dos encontros dos amigos secretos das firmas. E eu saio todo dia, almoço e jantar, à procura destes encontros. Sou apaixonado por festas deste tipo. Chego antes, vejo aquela mesona enorme, confirmo com o garçom e sento numa mesa bem próxima, de costas, pronto para ouvir toda a eufórica baixaria. Começam sérias, como convém, mas cerveja vai, caipirinha vem e aquelas pessoas que passam um ano quase sisudas uma diante da outra, vão se soltando. E os discursos? E as caras de surpresa? Dizem que num bom encontro de amigos secretos, todos já sabem quem é amigo de quem. E, em alguns casos, até o que vão ganhar. Sempre tem uma fofoqueira na empresa que sabe de tudo, de todos. E matraca.
A primeira coisa a fazer é brincar de tentar descobrir de onde vem aquela turba ali atrás de mim, que eu olho de soslaio. Banco? Firma de internet? Loja? Telefonistas? Contadores, despachantes ou dentistas? Quase sempre erro.
Contei isto para a minha terapeuta e ele me explicou que era inveja. Porque eu não tenho firma, não tenho patrão, não tenho empregados. Portanto, nunca foi participar de uma reunião deste tipo. Não tenho nenhum amigo secreto e nunca vou ter. Sou um profissional isolado. Pode ser que ela esteja certa. Talvez ali eu esteja procurando a minha turma, alguém para me dar um presentinho, um isqueiro bic, que seja.
Mas o que eu nunca entendi é porque se chama amigo secreto e não amiga secreta. São elas que organizam, são elas que ficam mais entusiasmadas nas festas. São elas, inclusive, que compram os presentes dos próprios amigos não secretos. Elas que escolhem a pizzaria que mais lhes convém.
O bom mesmo é dar presentes fora da pizzaria, fora do fim do ano, para a ou as nossas amigas secretas. Qual é o homem que não tem uma amiga secreta?
É o caso de um conhecido meu – casado – que tinha uma amiga secreta permanente. Um dia ele pediu – com a maior cara de pau - para a própria esposa escolher uma jóia para a amiga secreta, alegando que era para a festa da firma, e a amiga secreta que caiu para ele era da diretoria. Precisava agradar. Pois a esposa pegou uma jóia dela mesma, cafona, mas aparentemente valiosa, deu um trato, embrulhou bem bonitinho e inocentemente entregou para o seu marido.
Só que o marido não levou em conta que a amante trabalhava na mesma firma da esposa. Claro que ele sabia, mas não poderia imaginar o desenrolar da coisa. E, no dia da festa da firma da esposa, na pizzaria, a amante deu a mesma jóia (com o mesmo papel de embrulho) para a mulher traída.

Revista Época 16/11/2003
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 Mario Prata

O CASAL DA INTERNET

Gente, não é assustador essa história do casal que se conheceu num cruzeiro de internautas?
Se você não leu as notícias, o negócio foi mais ou menos assim: ele, Flávio, goiano desempregado, não tendo mais o que fazer da vida, entrou num chat-chato qualquer e começou a bater papo com a Carla, artista plástica de Campo Grande (MS).
Papo vai, bit vem, começaram as mentiras. Ela manda uma foto para ele onde estava vinte kbtis, ou melhor, vinte quilos mais magra. Ele, imaginação fértil, se diz fazendeiro, dono de aviões, carros importados. Escaneia para ela uma foto dele ao lado de uma das aeronaves. Paixão à primeira vista, ou melhor, à primeira digitada.
No dia 2 deste mês eles se encontraram num hotel em Goiania, depois de Carla fugir de casa. Até o dia 7 manteve contato com a família. Depois sumiu. Os computadores da polícia foram acionados de norte a sul. A Internet a serviço da polícia brasileira.
Bem, os dois foram achados às sete da manhã do último sábado em Teresina, lá no meio do Piaui. Ele de Goiania, ela de Campos Grande. Que diabo os dois foram fazer lá no Panorama Pousada Hotel da BR-316?
O fato é que Flavio já havia limpado a conta bancária de Carla. Não sei se por vingança pelos vinte quilos a mais. Carla declarou à polícia que descobriu que o amado era um pobre desempregado e "amante profissional". Profissional e cibernético, eu acrescentaria. Fim de caso. Carla volta para Campo Grande, vai tentar emagrecer e voltar aos chat da vida. O outro, não profissional, mas amador, está preso.
Lá no começo, eu dizia que essa história é assustadora. Você não acha? Você que fica aí horas e horas por dia navegando pela telinha. Já pensou quanta gente doida deve ter nesse mundão todo que o Bill Gates inventou e nós fizemos a fortuna dele? Já imaginou quanta mentira anda rolando?
O que me assusta é que esse negócio de Internet é tão novo que ainda não está regulamentado em lei. Cada um faz o que pode. Até sexo virtual, coisa que eu jamais farei pois tenho certeza que no lugar do orgasmo, deve acontecer um choque eletrônico poderosíssimo.
Outro dia eu estava a falar com uma pessoa em Turim, num italiano todo macarrônico, começou a pintar um clima, umas perguntas mais íntimas, até que nós dois descobrimos que éramos homens. Confesso que foi meio esquisita a sensação.
(e por falar nisso, Ana Beatriz Moser, onde está a minha camisa da seleção?)
 
Continuando: outro dia faleceu o pai do Fernando Morais que sempre lhe mandava recados pela Internet. Mas ele havia apagado tudo do seu computador. Tudo. Ficou chateado, contou para um amigo que lhe explicou que tudo que é apagado aqui na terra fica num satélite lá em cima. Resultado, o cara conhecia alguém que podia fazer este serviço. Hoje o Fernando tem toda a correspondência do falecido pai.

Ou seja, estou começando a achar que tudo que a gente digita, como esta crônica, por exemplo, mesmo que eu a retire do meu computador, ela ficará em algum computador lá perto do céu. Meu Deus!

Quando comecei a escrever, minha sábia mãe dizia:

- O que você fala some, o que você escreve fica. Cuidado!

Mal sabia ela, quarenta anos atrás, o que estava a prever.

Cuidado pois, leitor e leitora, não fique por aí dizendo que é magrinha, nem milionário. Deus e Bil Gates estão de olho em você. E eles não falham...

Delete!

(Jornal O Estado de São Paulo - 1998)
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BIOGRAFIA: MARIO PRATA

Mario Alberto Campos de Morais Prata é natural de Uberaba (MG), onde  nasceu no dia 11 de fevereiro de 1946. Foi criado em Lins, interior de São Paulo.Sendo vizinho de frente do jornal A Gazeta de Lins, com 14 anos começou a escrever a coluna social com o pseudônimo de Franco Abbiazzi. Passou, com o tempo, a fazer de tudo no jornal, desde editoriais a reportagens esportivas e artigos de peso. O escritor Sérgio Antunes, seu amigo nessa época, disse que Mário era um molecote de "voz de taquara rachada e aparelho nos dentes ".Lia tudo o que lhe caia nas mãos, em especial as famosas revistas da época "O Cruzeiro" e "Manchete", que traziam em suas páginas os melhores cronistas da época como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta, uma vez que em Lins, naquela época, "não chegavam os grandes clássicos", como disse o autor. Daí a forte influência que os citados cronistas tiveram em seu estilo.Aos 16 anos recebe um convite de Roberto Filipelli, que foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com ele o "Jornal do Lar ". Samuel Wainer, vislumbrando seu grande talento, levou-o, nessa época, para escrever no jornal "Última Hora". Mário comenta: "Meus pais chamavam aquilo que eu escrevia de bobageiras e me previam um péssimo futuro. Medicina, Engenharia, Direito ou Banco do Brasil (eles queriam). E nada de estudar filosofia ou letras: coisa de veado". O autor acabou trabalhando 8 anos no Banco do Brasil, a exemplo de Jaguar e Stanislaw Ponte Preta — dentre outros, como auxiliar de escrita.Na década de 60, em plena revolução, inicia o curso de Economia na U.S.P. Desse tempo relembra: "a gente se orgulhava: a gente era comunista! (...) um dia o DOPS chegou lá e levou a gente. Todo mundo preso, orgulhoso ". Apesar da opinião contrária dos familiares e dos amigos, e movido pela vontade cada vez maior de ser escritor, resolveu pedir demissão do Banco do Brasil e abandonar a faculdade de Economia.A partir de então vem obtendo sucesso com inúmeros livros, novelas, peças, roteiros, etc., tendo sido agraciado com diversos prêmios nacionais e internacionais.Sua estadia em Portugal, onde morou por 2 anos, deu origem a um de seus grandes sucessos no Brasil, o livro Schifaizfavoire — um tipo de dicionário do português falado pelos portugueses. Lá, nesse período, realizou diversos trabalhos para a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa). Atualmente mora em São Paulo e diz que gosta de escrever de manhã e "careta", uma herança adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil.Escreveu, semanalmente, na revista "Época" e no jornal "O Estado de São Paulo" por vários anos.

 Desde 1992, escreve toda quarta-feira no O Estado de S. Paulo.

Assinou, também, o roteiro do filme "Brincando de amor" a ser dirigido por Bruno Barreto e baseado no livro "Palmeiras, Um Caso de Amor"

Obras de Mario Prata para televisão:

ELA TEM UMA PULGA ATRÁS DA ORELHA - 1974, Caso Verdade. Rede Globo.

ESTÚPIDO CUPIDO - 1976, novela, Rede Globo, dirigida por Régis Cardoso.

SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO - 1978, novela, Rede Globo, dirigida por Régis Cardoso e Denis Carvalho.

XICO REY - 1978, minissérie em 13 capítulos para o Canal 1, ARD da Alemanha Ocidental, dirigida por Walter Lima Jr.

DINHEIRO VIVO - 1979, novela, Rede Tupi, dirigida por José de Anchieta e supervisão de Walter Avancini.

O RESTO É SILÊNCIO - 1981, tele-romance, baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.

O VENTO DO MAR ABERTO - 1981, tele-romance baseado em Geraldo Santos, TV Cultura.

MÚSICA AO LONGE - 1982, tele-romance baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.

O HOMEM DO DISCO VOADOR - 1983, Caso Verdade, Rede Globo, supervisão de Antonio Abujamra e Walter Avancini.

DEVOLVAM MEU FILHO - 1983, Caso Verdade, Rede Globo, supervisão de Antonio Abujamra e Walter Avancini.

AVENIDA PAULISTA - 1983, minissérie em 20 capítulos. Equipe de criação, juntamente com Lauro César Muniz, Leilah Assumpção e Daniel Más, com supervisão de Walter Avancini. Rede Globo.

A MÁFIA NO BRASIL - 1984, minissérie em 20 capítulos com vários co-autores, Rede Globo, dirigida por Roberto Farias.

UM SONHO A MAIS - 1986, novela em co-autoria com Lauro César Muniz e Dagomir Marquesi, Rede Globo, dirigida por Roberto Talma.

HELENA - 1987, novela em co-autoria com Dagomir Marquesi e Reinaldo Moraes, Rede Manchete. Exibida em Portugal e Alemanha Ocidental, dirigida por Denise Sarraceni e Luis Fernando Carvalho.

O TESTAMENTO DO SENHOR NAPOMUCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, minissérie em cinco capítulos, baseada no romance do caboverdeano Germano Almeida, para a televisão portuguesa. Opus Filmes.

HOTEL EUROPA - 1991, projeto de seriado para Herman José, produzido pela Videoarte e Costa do Castelo, em Portugal.

VIVA A VIDA - 1991/2, assessoria de teledramaturgia para programa da RTP Internacional, de Portugal, para os Palop.

UM SÉCULO E SETE MULHERES - 1992, inspirada na "Trilogia do Café" de Álvaro Guerra, em 13 capítulos, para a RTP, de Portugal.

O CAMPEÃO, 1996, com Reinaldo Moraes, novela para a Rede Bandeirantes, produzida pela TVPlus, dirigida por Marcos Schetchman.

BANG BANG - 2005, novela para a TV Globo.


Obras de Mário Prata para o teatro:

O CORDÃO UMBILICAL - 1970, montagem paulista dirigida por José Rubens Siqueira. 1972, montagem carioca, dirigida por Aderbal Junior. Esta peça tem, seguramente, mais de cem montagens amadoras e profissionais em todo o Brasil.

E SE A GENTE GANHAR A GUERRA? - 1971, em São Paulo, dirigida por Celso Nunes.

FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1979, em São Paulo, dirigida por Ruy Guerra.

DONA BEJA - 1980, em Belo Horizonte, dirigida por Paulo César Bicalho, no Palácio das Artes.

BESAME MUCHO - 1982, dirigida por Roberto Lage em São Paulo. 1983, dirigida por Aderbal Junior no Rio de Janeiro. Também montada em Brasília, Belo Horizonte e Recife, profissionalmente. A montagem carioca representou o Brasil nos festivais internacionais do Uruguai e Colômbia, em 1983. - Montagem uruguaia, em 1990, dirigida por Adriana Lagomarsino, no Teatro Del Notariado, em Montevidéu.

SALTO ALTO - 1983, direção de Nitis Jacon com o Grupo Proteu de Londrina (PR). Apresentou-se em São Paulo e Rio de Janeiro neste mesmo ano. Montada em 1990, em Recife, profissionalmente.

PURGATÓRIO, UMA COMÉDIA DIVINA - 1984, dirigida por Roberto Lage, em São Paulo.

PAPAI & MAMÃE, CONVERSANDO SOBRE SEXO - Em parceria com Marta Suplicy em 1984, dirigida por Flávio de Souza.

O CAMINHO DA ROÇA - 1990, inédita.

PILATOS: VIDA E OBRA - 1991, adaptação livre do livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Inédita.

EU FALO O QUE ELAS QUEREM OUVIR - 2001, dirigida por Roberto Lage, em São Paulo.

Trabalhos de Mário Prata no Cinema:

O JOGO DA VIDA E DA MORTE - 1971, diálogos, direção de Mario Kuperman.

XICO REY - 1978, argumento, dirigido por Walter Lima Junior.

BESAME MUCHO - 1987, roteiro com Francisco Ramalho Junior, dirigido pelo mesmo. Este filme representou oficialmente o Brasil em vários festivais internacionais.

BANANA SPLIT - 1987, roteiro para direção de Paulinho de Almeida.

O BEIJO 2348/72 - 1987, co-autoria de roteiro e diálogos, dirigido por Walter Rogério.

O TESTAMENTO DO SENHOR NAPUMOCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, baseado no romance do caboverdiano Germano Almeida, para a Opus Filmes de Portugal e direção de Francisco Manso.

Fontes: Site Oficial Mario Prata, Site Releituras, Site Rede Globo.




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