Por: Kelly Cristina Spinelli

Quero agradecer à Susana Trimarco.  Quero agradecer porque apesar de ela ter tido uma noite terrível, ela é a mulher mais corajosa da Argentina. Agradecer porque ela busca incessantemente a sua filha desaparecida em 2002 em San Miguel de Tucumán,  Marita Verón, que virou símbolo nacional contra o tráfico de pessoas. E porque sabemos que mesmo apesar de o julgamento dos acusados ter se arrastado ao longo do ano inteiro, e de todos os treze suspeitos terem sido escandolosamente absolvidos pela justiça de Tucumán ontem à noite, ela não vai parar.
Agradecer porque a Susana se vestiu de prostituta para investigar o desaparecimento de sua filha, porque se meteu sozinha no nojento mundo do sequestro e tráfico que atinge especialmente crianças e mulheres, estrangeiras e argentinas. 
A lei 26.364, só bem tarde, só em 2008, definiu o tráfico de pessoas como crime federal no país. E foi muito por causa da Susana, porque Susana fez a Argentina prestar a atenção. Desde então, 3292 pessoas foram resgatadas da escravidão dos prostíbulos, 1538 delas argentinas e 1754 estrangeiras.
Susana ajudou diretamente no resgate de mais de uma centena de vítimas, que ela chama de “filhas do coração”. Ela recolheu, incansável, todos os depoimentos que pôde, mesmo apesar de ameaças de morte, mesmo apesar de seu marido, falecido em 2010, ter pedido que ela parasse porque estava enfrentando algo grande demais, perigoso demais.
Susana teve de suportar ouvir dizer, e tentar provar, que sua filha que hoje teria 33 anos, e que não se sabe se está viva ou morta nem de seu paradeiro, foi sequestrada perto de casa, quando ia à uma consulta no ginecologista. Teve de ficar sabendo que ela se prostituiu à força, que foi drogada, violada, e que há suspeitas de ter tido um filho com seu cafetão, que por sinal era um dos acusados absolvidos no julgamento de ontem.
Eu agradeço porque a Susana sentou ao lado deste e de outro seis homens e seis mulheres suspeitos de fazerem tudo isso com a sua filha, com a tranquilidade possível e sem jamais perder a determinação.  Por ela ter ouvido que iriam usar o dinheiro que sua filha lhes rendia para comprar os juízes.
Que ela saiba que num país tão polarizado quanto a Argentina, não há um jornal sequer que não a defenda, que neste país que leva tudo aos extremos ela conseguiu o apoio unânime de kirchneristas e opositores, que o país inteiro está revoltado contra o revés que ela sofreu.
Que Susana saiba que nós não sabemos como ela tem conseguido aguentar, como lhe disse a presidente ontem à noite, mas que esperamos que ela realmente siga tendo forças. Porque a sua causa pessoal é a causa de todas as mulheres e de todas as pessoas e nós torcemos para que ela seja resolvida.

Jornalista e ilustradora, publicada por revistas como a Piauí e a Trip. Mora em Buenos Aires e tem uma visão curiosa e bem-humorada dos argentinos. Posta às quartas-feiras kelly.spinelli@terra.com.br

Fonte: Portal ANDI